Tribunal está há 11 anos para dizer se urbanização é legal – e já mora lá gente

Grande empreendimento em Carnaxide avança a passos largos enquanto moradores de um bairro vizinho tentam garantir que as suas ruas não ficam ainda mais cheias de trânsito.

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O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra está desde 2009 a apreciar a legalidade de uma grande urbanização prevista para Carnaxide, no concelho de Oeiras. Em 11 anos, a imobiliária que promovia o projecto foi à falência, os lotes têm mudado de mãos, as obras começaram e até já mora lá gente. O processo judicial é que praticamente não se mexeu, mesmo havendo um parecer do Ministério Público, de 2011, que diz que a urbanização é ilegal.

O loteamento do Alto da Montanha está a surgir em 19 hectares junto ao emblemático “foguetão” de Carnaxide (Farol da Mama), próximo dos bairros da Outurela e Casal da Amoreira, das grandes superfícies comerciais de Alfragide e do Hospital de Santa Cruz. Foi precisamente o hospital que desencadeou uma primeira acção judicial contra a Câmara de Oeiras, em Janeiro de 2009, a que se seguiu outra da Associação de Moradores do Casal da Amoreira.

Embora com razões de queixa diferentes, ambas tinham um ponto de partida comum – a alegada opacidade da autarquia nas decisões urbanísticas que tinha tomado – que desaguava na conclusão de que o loteamento tinha de ser considerado nulo.

O hospital contestava a aprovação de edifícios que, pela sua altura, interferiam com o canal de aproximação ao heliporto, frequentemente usado para transportar doentes em estado crítico ou órgãos para transplante. Os moradores do Casal da Amoreira criticavam também a volumetria dos imóveis propostos, mas sobretudo os impactos viários da urbanização, uma vez que o único acesso previsto era (e é) pelo meio do bairro.

Alertada por movimentações de terras nas imediações do hospital, a administração decidiu enviar uma carta à Câmara de Oeiras a perguntar o que se estava a passar. Ainda se chegou a tentar marcar uma reunião entre ambas as partes, mas os esforços redundaram em sucessivos adiamentos. A autarquia aprovou a operação urbanística e o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO), a que pertence Santa Cruz, recorreu aos tribunais. “Resulta manifesto que o órgão executivo pretendia furtar-se ao diálogo com o CHLO, preparando-se para o colocar perante um pretenso facto consumado”, acusou.

A câmara contestou, alegando que não estava licenciado nenhum canal de aproximação ao heliporto e que a própria autarquia desconhecia por onde passavam os helicópteros que se dirigiam ao hospital. Argumentou também que, naquela fase, primeiro trimestre de 2009, ainda só tinha sido emitido o alvará de loteamento e que a construção propriamente dita viria mais tarde.

Entretanto, a Associação de Moradores do Casal da Amoreira, que também já vinha acompanhando as movimentações e se reunira com técnicos da câmara por mais do que uma vez, decidiu avançar igualmente com uma acção judicial por considerar que os índices de construção ultrapassavam o que era permitido no plano director municipal (PDM) e por o estudo de tráfego não ter em conta o aumento de população previsto para o local.

Tanto a câmara como a imobiliária que obtivera o alvará de loteamento, a Ferreiras e Magalhães, contestaram as alegações, argumentando que tinham agido dentro da lei. Passariam, no entanto, dois anos até que o processo conhecesse novos desenvolvimentos.

Em Junho de 2011, o Ministério Público no Tribunal de Sintra emite um parecer em que dá razão aos queixosos e defende a nulidade do loteamento. Embora considerando “de extrema gravidade” o hospital nunca ter constituído uma servidão aeronáutica para o seu heliporto, o que salvaguardaria o canal de aproximação, a procuradora diz que o direito à saúde e à vida se sobrepõe ao direito a construir e que a Câmara de Oeiras “deveria ter acautelado em defesa dos seus munícipes” a operacionalidade do heliporto. A magistrada afirma também que a autarquia não podia aprovar esta operação urbanística sem antes ter feito um plano de urbanização ou de pormenor – e que mesmo o que tinha aprovado não cumpria os índices de construção previstos no PDM.

Fim à vista?

O projecto do Alto da Montanha contempla 800 fogos de habitação, comércio, serviços e espaços verdes em 49 lotes. Actualmente estão construídos dois edifícios, já habitados, e estão em construção pelo menos mais dois. Um deles, com o nome comercial Dream Living, terá 90 fogos.

O processo judicial, que não tem efeitos suspensivos das obras, continua a decorrer. Em 2012, impossibilitada de levar o projecto avante, a Ferreiras e Magalhães foi declarada insolvente e os lotes de terreno foram vendidos a pelo menos 18 empresas, que desde então passaram a ser partes interessadas no processo. Este tem corrido sobretudo com questões burocráticas e uma decisão final está ainda longe, uma vez que, perante o tribunal, não estão identificados todos os proprietários dos terrenos.

Aqui chegados, os moradores do Casal da Amoreira estão em negociações com os donos dos lotes para resolver o problema que agora mais os aflige: o trânsito na zona. Está a ser trabalhada uma proposta que permita prolongar uma rua do loteamento para que os futuros habitantes não tenham apenas uma via de entrada e saída, a Rua Adolfo Casais Monteiro, pelo meio de um bairro que é composto maioritariamente por moradias e prédios de dois ou três andares.

O presidente da associação de moradores, Carlos Alcobia, confirma as conversas, assim como alguns advogados das partes contactados pelo PÚBLICO. “A ninguém interessa continuar com esta acção, que não se sabe quando pode terminar”, resume um deles.

Qualquer entendimento terá de ter o aval final da Câmara de Oeiras, que se diz disponível para chegar a um entendimento. “Chegou mesmo a existir uma reunião conjunta entre técnicos municipais, representantes dos moradores e proprietários de lotes, tendo sido abordadas algumas alternativas de acesso ao empreendimento, susceptíveis de ser aceites pelo município de Oeiras com alguns ajustamentos”, confirma a autarquia.

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