Equipa luso-americana desenvolve satélite para vigiar a gravidade da Terra

Empresa aeroespacial portuguesa Spin.Works coordena projecto para criação de um pequeno satélite, com cerca de oito quilos, que envolve um investimento de 2,6 milhões de euros. A data do lançamento apontada é 2023.

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Ilustração artística do nano-satélite de oito quilos Spin.Works

Uma equipa luso-americana, coordenada pela empresa aeroespacial portuguesa Spin.Works, está a desenvolver um pequeno satélite dedicado a acompanhar as mudanças no campo gravítico do nosso planeta, num projecto com um investimento de 2,6 milhões de euros. Como o ciclo da água – líquida ou sólida, à superfície ou no subsolo – provoca alterações no campo gravitacional da Terra, é a esses efeitos que o futuro satélite estará sobretudo atento.

Lançado oficialmente esta quarta-feira, com a sua assinatura pelos parceiros, o projecto do nano-satélite uPGRADE inclui, além da Spin.Works, a Universidade do Texas em Austin (Estados Unidos), o Laboratório Ibérico de Nanotecnologia (INL, em Braga), a Universidade do Minho e o Instituto de Soldadura e Qualidade (ISQ). Dos 2,6 milhões de euros de investimento no projecto, 1,95 milhões vão para os parceiros portugueses co-financiados programa Feder e por programas operacionais regionais, enquanto os restantes 700 mil euros são co-financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia através da parceria entre Portugal e a Universidade do Texas em Austin (a iniciativa “Go Portugal”).

Um nano-satélite tem uma massa entre um e dez quilos e este que a equipa luso-americana vai construir num protótipo terá oito quilos e será o primeiro em todo o mundo desta categoria centrado no estudo da gravimetria e na densidade da termosfera (camada da atmosfera entre os 80 e os 500 quilómetros de altitude). “É uma caixinha muito pequenina”, descreve Tiago Hormigo, engenheiro aeroespacial da Spin.Works que é o coordenador geral do projecto, enquanto a equipa científica é liderada por Byron Tapley e Brandon Jones, da Universidade do Texas em Austin.

A pequena caixa irá medir com grande precisão como o campo gravitacional da Terra se altera tanto no espaço como no tempo. Será assim capaz de ir até a uma escala regional de centenas de quilómetros e a um período de 15 dias a um mês, explica ainda Tiago Hormigo.

Por que é importante ter informação com tanta exactidão sobre a gravimetria da Terra? “No caso de grandes massas de gelo, como na Gronelândia e na Antárctida, é possível medir, através do efeito na gravidade, a extensão do derretimento”, responde Tiago Hormigo, dizendo que esta informação se juntará às observações de satélites já existentes centradas em imagens e laser, agora através da medição de um efeito directo na própria gravidade da Terra.

Mais: “Há zonas no mundo com ciclos sazonais marcados, em que o consumo de água subterrânea é extremamente elevado e é muito difícil medir como os níveis de água se alteram com o tempo no subsolo, a não ser por este método, que é a única forma”, destaca Tiago Hormigo. “Na Índia, antes das monções a seca é monumental e os níveis de água subterrânea descem muito com o consumo em todo o subcontinente”, acrescenta. 

“Uma das possíveis aplicações mais interessantes para esta tecnologia é a monitorização recorrente dos aquíferos existentes no nosso planeta, destaca também, em comunicado, Pedro Matias, presidente do ISQ. “Esta possibilidade vai permitir melhorar significativamente o conhecimento das dinâmicas dos aquíferos e fazer a relação com o fenómeno das mudanças climáticas.”

Observar mudanças gravitacionais resultantes de deslocamentos criados por sismos de elevada magnitude é também outro tipo de dados que o satélite poderá recolher.

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O acelerómetro que está a ser desenvolvido pelo Laboratório Ibérico de Nanotecnologia, em Braga DR

O satélite uPGRADE seguirá os passos de outras missões de recolha de dados gravimétricos para monitorizar processos de transporte de massa na superfície da Terra, como a GRACE e depois, em 2018, a GRACE-FO, da agência espacial norte-americana NASA.

Para captar todas estas alterações no campo gravítico do nosso planeta, descontando já outros efeitos que provoquem “ruído” nesses dados como o efeito das marés, o pequeno satélite luso-americano incluirá um acelerómetro de alta precisão, que está a ser desenvolvido pelo INL e pela Universidade do Minho, mais concretamente pelo grupo da investigadora Rosana Dias.

E o lançamento?

O satélite não tem um fim comercial. “O protótipo tem um objectivo científico de monitorização do clima e do campo gravítico”, esclarece Tiago Hormigo. “Não temos garantias de que venha a ser construído. Estamos a construir um protótipo para mostrar que temos capacidade. É uma discussão que vamos ter ainda.” Essa discussão poderá então passar por um interesse da Agência Espacial Portuguesa, do Centro Internacional de Investigação do Atlântico (Air Centre, nos Açores) ou até da Agência Espacial Europeia.

O objectivo final, claro, é levar este nano-satélite para o espaço numa constelação de dez a 15 aparelhos para fazer investigação científica. A data do lançamento apontada é 2023. “Com 15 satélites, achamos que a construção de tudo, incluindo este projecto do protótipo, será menos de dez milhões de euros”, considera Tiago Hormigo, que já está a incluir nas contas os custos do lançamento espacial.

A este propósito, que foguetão lançaria no espaço a constelação? Para já, uma das possibilidades em cima da mesa, se a discussão avançar até lá, é o foguetão Falcon 9 da Space X. “É uma possibilidade”, diz o investigador, especificando que o preço do lançamento de cada pequeno satélite pelo foguetão da empresa de Elon Musk é à volta de 50 mil euros. “Teremos também de considerar a hipótese dos operadores do Space Port dos Açores”, nota também, referindo-se ao projecto de criação de uma base espacial no arquipélago açoriano para lançamento de pequenos foguetões. 

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