Psst… já reparou no resgate?

Os portugueses são hoje fiadores do negócio bancário, que financia a preços de mercado os seus clientes habituais, enquanto o resto da economia se desfaz em cinzas.

A ideia de que o layoff simplificado é o único apoio a fundo perdido, no quadro das medidas excepcionais aprovadas pelo Governo, fez naturalmente o seu caminho. Quando comparamos, por exemplo, com as linhas de crédito covid, essa distinção é muito clara. Mas isto só é assim se ficcionarmos que os bancos não são, também eles, empresas.

Na verdade, as garantias de 80 a 90% prestadas pelas sociedades de garantia mútua, no âmbito daquelas linhas de crédito, não são mais do que um apoio a fundo perdido. Não para as “empresas”, mas para os bancos. Vejamos.

Numa primeira fase, estas linhas encontravam justificação na necessidade de assegurar capital a milhares de empresas afectadas pela crise. Garanti-las com dinheiro público era o preço a pagar para que a banca “metesse dinheiro” na economia, depressa e em força.

O problema é que cedo se percebeu – e isso foi assumido pelos banqueiros, sem corar – que estas operações de crédito seriam avaliadas, em termos de risco, nos exactos termos em que o seriam quaisquer outras. Afinal, os bancos não agradeceriam o favor do Estado, aligeirando critérios e apoiando as empresas em dificuldades. Pelo contrário, fariam business as usual, aproveitando a boleia.

Que os bancos tenham assumido isso no Parlamento, sem cerimónia, diz muito sobre quem é, verdadeiramente, o dono disto tudo.

É que o que começou como uma medida razoável para injectar dinheiro numa economia em crise, rapidamente se transformou num equívoco, que é preciso desfazer: os portugueses são hoje fiadores do negócio bancário, que financia a preços de mercado os seus clientes habituais, enquanto o resto da economia se desfaz em cinzas.

Às portas da maior crise das últimas décadas, não será difícil prever que mesmo as operações validadas pelo risco acabarão por entrar em incumprimento. Aí, o Estado pagará a dívida aos bancos e, depois, tentará, sem glória, recuperar esse dinheiro das empresas. No fim, serão os nossos impostos a reembolsar o capital e a pagar os juros, até ao último cêntimo.

Quem pensava ainda ir a tempo de discutir novos resgates bancários perdeu o comboio. E até o Novo Banco já veio pedir mais uns trocados, à conta deste “cenário de extrema gravidade”.

Sejamos claros, portanto: o (primeiro) resgate está feito. Com pezinhos de lã e sem conferências de imprensa dramáticas na sede do Banco de Portugal. Já são, pelo menos, seis mil milhões de euros – bem acima do que reservámos ao Novo Banco, naquele fatídico dia de Agosto, em 2014. Vai ficar tudo bem.

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