Pandemias, riscos, crises: a importância de investir em comunidades resilientes

Sociedades que potenciam o risco, populações que sofrem sem que tenham uma palavra a dizer.

A Covid-19, tal como as alterações climáticas, englobam riscos decorrentes de atividades humanas. Mudanças contínuas no ambiente físico introduzem desequilíbrios no sistema terrestre e na relação entre as espécies. A proliferação do novo coronavírus é um dos maiores desafios pandémicos da humanidade; já infetou milhões e matou centenas de milhares de pessoas por todo o mundo, causando medo - herança de catástrofes anteriores. O medo é um alerta para um comportamento adequado face a uma ameaça. A preocupação irracional, que leva à ansiedade e até à depressão, é que deve merecer atenção. É preciso informação para que os cidadãos não confundam o medo de ser infetado com o medo de morrer.

A probabilidade de que todos possam ser infetados significa que o risco é socialmente transversal. Mas é uma probabilidade desigual. Ser potencial vítima significa que as diferenças sociais, contingenciais, contextuais (e até individuais) influenciam os resultados, obviamente ligados a modelos económicos de distribuição social. Uns evidenciam capacidade para se adaptar e sobreviver à crise, outros o desemprego, a fome! Uns conseguem organizar-se em teletrabalho, outros estão impedidos por falta de condições, recursos e até conhecimentos. Promover comunidades resilientes será um contributo para que os cidadãos possam exercer conscientemente o seu direito e o dever de decisão quanto aos riscos que correm, em função de garantias económicas, conhecimentos e confiança.

O cenário em que somos hoje atores é semelhante ao de outros momentos da história, quando doenças se espalharam causando danos humanos e sociais. Mesmo com diferenças biológicas, sociais, temporais e geográficas, as pandemias costumam evidenciar pontos comuns, como caos social, mudanças de comportamento e disseminação de informações falsas. Outra herança de surtos pandémicos é a falta de conhecimento para interpretar a informação científica, que pode parecer contraditória, porque faz parte do seu método testar diversas hipóteses, até ao conhecimento, que depois de verificado, fará parte integrante de um edifício coerente de prova.

Um menor grau de literacia científica, hábitos de leitura reduzidos, levam a crendice popular ou informações falsas. As recomendações face à Covid-19 focam-se no isolamento social e em maiores cuidados higiénicos, passos básicos universais para impedir a proliferação de enfermidades. Mas fica clara a necessidade de apostar na investigação científica e na sua comunicação, desde os políticos aos cidadãos, permitindo incluí-los nos processos de decisão sobre risco.

O que aprender? Repensa-se hoje os rendimentos, a sustentabilidade ambiental, o serviço nacional de saúde, a dependência de energias fósseis e o tipo de sociedade de consumo em que vivemos. É imperativo reduzir a suscetibilidade de grupos vulneráveis. Na maioria dos Estados, como em Portugal, as autoridades políticas ouviram os cientistas, pois perceberam os efeitos da pandemia, no período dos seus mandatos. O Governo português e a oposição uniram-se em nome do objectivo ético de minimizar mortes. E a incorporação das comunidades nos processos de gestão e tomada de decisão sobre risco?

Investir nas comunidades é uma opção política, económica, cultural, e é também uma opção de defesa da espécie e do planeta. O que está em causa é a sustentabilidade da vida na Terra e se a medicina, contrariamente ao que aconteceu na época da industrialização, se conseguirá democratizar para fazer face a estas novas condições. Portugal, nesta pandemia, tomou decisões baseadas na ciência (o que é incomum!). Foram as medidas de confinamento que nos permitiram não ficar tão expostos aos danos. E espera-se comportamentos que demonstrem a consciência cívica de não nos conduzir a uma segunda onda pandémica.

Os decisores políticos não podem “lavar as suas mãos” no discurso científico, terão que assumir as consequências económicas desta pandemia e as suas implicações nas condições de trabalho. Propostas já se apresentam: Rendimento Básico Incondicional, a semana de quatro dias, a flexibilização do trabalho e sua digitalização ou desmaterialização. É necessária a universalização dos meios para o fazer e a regulação laboral adequada. O avanço tecnológico não pode fazer recuar os direitos laborais e sociais.

Destruímo-nos ou tornamo-nos resilientes? Serão os decisores capazes de aproveitar esta paradoxal oportunidade e perceber que a normalidade anterior era insustentável, que terá que haver uma mudança na forma e distribuição do tempo e espaço de trabalho? Que todo o cidadão tem direito a um rendimento mínimo que permita a existência digna num Estado de direito que tem obrigações de protecção dos cidadãos, identificando e reduzindo os grupos de risco?

Emerge o Paradigma da Responsabilização requerendo uma política económica, social e cultural de direitos e deveres. Investir em comunidades resilientes é garantir rendimentos, conhecimento, capital social e cultura de risco, travando a emergência de excluídos em todas as dimensões. Comunidades resilientes estarão mais bem preparadas para gerir as memórias e emoções traumáticas e transformar situações de crise em oportunidades, repondo a sua qualidade de vida no médio prazo, restabelecendo o capital social, as interacções quotidianas. A esperança passa pela opção dos Governos quanto a modelos económicos, pelo empenho dos cidadãos em se informarem e exercerem os seus direitos de cidadania por uma causa comum – a qualidade de vida no planeta. A esperança passa por construir comunidades resilientes. Uma esperança passa sempre por nós!

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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