Constitucionalista português considera que Presidente timorense violou Constituição

Deputados do CNRT de Xanana Gusmão apresentaram acção em tribunal contra actuação de Francisco Guterres na actual crise política, que foi recusada por tribunal de recurso, mas vão tentar de novo, com argumentação renovada.

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Francisco Gutteres Lu-Olo está a ser posto em causa ONU

O constitucionalista português Jorge Bacelar Gouveia considera que o Presidente da República timorense teve vários comportamentos que são “violadores da Constituição”, por não preservarem a normalidade institucional, num parecer pedido pelo Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), de Xanana Gusmão.

Este parecer foi feito no final de Abril em resposta a um conjunto de dez perguntas sobre a constitucionalidade de vários actos do Presidente da República, Francisco Guterres Lu-Olo, formuladas pelo CNRT. Dezanove deputados deste partido apresentaram uma acção contra o chefe de Estado, questionando a constitucionalidade de várias acções de Francisco Guterres nos últimos meses de crise política.

A acção foi indeferida esta semana por um tribunal de recurso. “Com os fundamentos expostos, deliberam os juízes deste colectivo indeferir liminarmente a petição inicial”, diz o acórdão ao qual a Lusa teve acesso. Sem entrar na matéria dos argumentos levantados pelos deputados, os juízes sustentara ser necessário, previamente, “que haja uma deliberação do Parlamento Nacional que impute ao Presidente da República uma conduta concreta que se traduza na violação clara e grave das suas obrigações constitucionais”.

Advogados do CNRT disseram que vão reformular o pedido e que voltarão a entregar nova petição no Tribunal de Recurso.

Sem Orçamento geral do Estado aprovado, com um primeiro-ministro demissionário por ter deixado de ter maioria parlamentar que o sustentasse, face à criação de uma nova maioria que indicou um novo primeiro-ministro (Xanana Gusmão), o Presidente acabou por não aceitar a demissão do chefe de governo que saiu das eleições de 2018, Taur Matan Ruak, que se mantém a governar.

Esta semana, Xanana Gusmão, o presidente do CNRT, que é o segundo maior partido timorense, tornou pública a saída da sua força política do Executivo. Divulgou uma carta enviada ao primeiro-ministro, Taur Matan Ruak, em que diz que a saída surge na sequência do que disse ser uma “profunda remodelação do Governo”.

Já o parecer de Jorge Bacelar Gouveia pronuncia-se sobre as acções de Francisco Guterres Lu-Olo no desempenho do cargo. “Os diversos actos que integram o comportamento geral do Presidente da República enunciados na consulta deste parecer são violadores da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, na medida em que põem em causa um dever geral de agir em prol da preservação da normalidade institucional, provocando antes uma interrupção no seu normal funcionamento”, escreve. Considera ainda haver “responsabilidades penal, civil e política” para o autor destes comportamentos.

O constitucionalista português destaca a decisão do Presidente timorense de não dar posse a nove membros indigitados do actual Governo, porque isso “constitui violação clara e grave das obrigações constitucionais” do chefe de Estado. Considera ainda que Lu-Olo “não pode manter no poder, em funções normais, o senhor primeiro-ministro [Taur Matan Ruak], por este lhe ter sido indigitado por uma aliança de partidos políticos que se rompeu e conduziu à perda da maioria parlamentar” que suportava o actual Governo.

Além disso, e porque desde 18 de Março Timor-Leste passou a estar há mais de 60 dias sem Orçamento Geral do Estado, a aceitação do pedido de demissão do primeiro-ministro – sobre o qual Lu-Olo nunca se pronunciou – “passou a ser obrigatória, para o Presidente da República, e necessária para assegurar o normal e regular funcionamento das instituições democráticas”.

“A manutenção no poder do actual primeiro-ministro e do seu Governo, além de ser constitucionalmente insustentável face à exigência constitucional da existência de uma maioria parlamentar que suporte politicamente o Governo, constitui desvio do exercício dos poderes-deveres que a Constituição atribui ao Presidente da República”, escreve.

O parecer qualifica ainda como uma “violação (…) clara e grave” das obrigações constitucionais o facto de não ter tomado uma decisão sobre a indigitação de Xanana Gusmão como novo primeiro-ministro, apoiado por uma nova maioria parlamentar.

Segundo o documento, o chefe de Estado mostrou “absoluta falta de isenção e equidistância dos partidos políticos”, agindo de forma “política e moralmente inaceitável” ao “tentar convencer pequenos partidos a associarem-se em coligação com o partido Fretilin e com o Partido de Libertação Popular (PLP, de Matan Ruak) para formarem Governo”.

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