Centro de Saúde de Braga acusado de recusar teste gratuito a refugiada

O Ministério da Saúde não quis abordar o assunto, remetendo as questões do PÚBLICO para a Administração Regional de Saúde do Norte. Esta garantiu não ter conhecimento do caso, mas está a investigar.

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Rui Gaudencio

Refugiada, nascida nos Camarões, residente no distrito de Braga. Acolhida por uma família portuguesa, juntamente com o marido e o filho, de três meses. Para o Bloco de Esquerda e a Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), estes são os dados de uma mulher a quem foi pedido pagamento por um teste à covid-19 em serviços públicos de saúde.

Três deputados do Bloco fizeram a acusação e já exigiram, a 17 de Abril, por via da Assembleia da República, uma resposta à ministra da Saúde – sem sucesso, até ver.

O caso remonta ao início do mês de Abril, quando a refugiada – cujo nome pediu para não ser revelado – “começou a ter sintomas de covid-19 e foi três vezes ao centro de saúde [USF Maxisaúde]”, como explica ao PÚBLICO André Costa Jorge, da PAR.

“Foi-lhe dito que tinha de pagar 123 euros pelo teste, por falta de documentação legal. Ela recusou-se a pagar e não fez o teste. Depois, foi ao Hospital de Braga e disseram-lhe, novamente, que tinha de pagar pelo teste. O que dissemos à senhora foi que fizesse o teste e pedisse que o documento de pagamento fosse enviado para a morada da família de acolhimento, para depois podermos contestar. Depois das contestações, em que explicamos a situação legal em que as pessoas se encontram, nunca ocorreu que nos voltassem a contactar a exigir os pagamentos”.

Tutela de saúde do Norte não tem conhecimento

Importa dizer que o resultado do exame da refugiada camaronesa foi negativo para a covid-19. Mas a ameaça para a saúde pública foi real, porque do centro de saúde saiu uma utente com sintomas da doença, mas sem despiste, pouco mais do que entregue à sorte – não só ela, como as pessoas com as quais pudesse contactar.

Se o Ministério da Saúde ainda não respondeu às questões do Bloco de Esquerda, tão pouco o fez ao PÚBLICO, dirigindo-as para a Administração Regional de Saúde do Norte (ARS). Esta garantiu não ter conhecimento do casoMas está a investigar. “Estamos a tentar descobrir de que utente se trata para se proceder em conformidade”, avançou Antonino Leite, coordenador de relações públicas, em resposta por e-mail.

Não obstante, a questão mantém-se: havendo um problema claro de saúde pública, é suposto obrigar um utente a pagar por um cuidado de saúde, sobretudo em tempos de pandemia, deixando-o sair da instituição sem despiste? Para a ARS, não.

“É prática do Agrupamento de Centros de Saúde atender todos os utentes, mesmo os que não têm número de utente, quer no âmbito da pandemia quer no âmbito não-covid. Já foram realizados testes de pesquisa de covid-19, na Unidade de Colheitas do ACES de Braga, a 47 cidadãos, sem número de utente do SNS”, esclarece também.

Apesar da posição da ARS, o Hospital de Braga, respondendo mais tarde às questões do PÚBLICO, mostrou uma interpretação diferente. Garante que “a referida cidadã não apresentou qualquer identificação ou declaração do especial estatuto de que alegadamente goza” e defende que “por se tratar de uma cidadã estrangeira sem registo no SNS, o Hospital cumpriu as normas em vigor definidas pela Administração Central do Sistema de Saúde, no que concerne à cobrança de actos médicos”.

Mas esclarece que o cenário de pagamento do acto médico não tem de ser definitivo, caso a refugiada apresente documentos legais: “A cidadã foi informada em documento próprio que poderá apresentar prova da sua situação no Hospital de Braga, para que não lhe sejam imputados financeiramente os valores dos actos médicos”. 

Caso tem associado um problema na emissão de documentos

As barreiras legais impostas à refugiada levantam, porém, uma questão antiga: a demora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) na emissão de autorizações de residência. Algo já trivial, como escreveu o PÚBLICO em 2019.

Apesar do atraso do SEF na emissão dos documentos para esta família, a lei n.º102/2017 estipula, no artigo 105.º, que o organismo deve responder aos pedidos de permanência no país no prazo de três meses (prorrogável em casos excepcionais). E está estipulado o “deferimento tácito do pedido na ausência de decisão no prazo de seis meses”.

Tal equivale a dizer que a ausência ou atraso na decisão do SEF significa aceitação automática do pedido de residência provisória para esta família camaronesa – e outras em situações análogas.

Para o PAR, a demora do SEF, conjugada com a falta de comunicação entre esta entidade e os serviços públicos, justifica os contornos deste caso.

“Há efeito duplo: por um lado, o SEF e o MAI não cumprem com a documentação. Por outro, os serviços que deveriam cumprir a orientação-base insistem em cobrar os cuidados de saúde, muitas vezes por desconhecimento dos técnicos e falta de informação nos serviços. É um problema interno dos serviços públicos, que não se articulam entre si”, explica André Costa Jorge. E acrescenta: “Se estas pessoas tivessem as autorizações provisórias, poderiam ter a situação regularizada em todos os serviços como SNS, abertura de conta bancária ou Segurança Social”.

Ao PÚBLICO, tanto a PAR como a deputada Alexandra Vieira, do Bloco de Esquerda, dizem não ter, para já, conhecimento de outros casos semelhantes a este.

Artigo actualizado às 21h05 com a resposta do Hospital de Braga.

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