O vilão invisível e as histórias

“Conta-nos uma história.” Na próxima vez que aceder a este pedido, tentarei contar a história que começou a ganhar forma na minha imaginação. Uma história sobre cientistas, não só os de bata branca e pipeta na mão, mas também os de computador em riste e outras tecnologias supersónicas.

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“Conta-nos uma história.” Entre os telefonemas, videochamadas e conferências familiares, hoje era dia de contar uma história aos pequenos. Na minha cabeça tilintou uma história sobre este novo vilão invisível, mas fiquei-me pelo conto do João e o Pé de Feijão.

A verdade é que, além de já ser apelidado de inimigo invisível, é mais que certo que o novo coronavírus será personagem principal, o mau da fita de muitas histórias que ainda serão escritas e contadas. Nessas histórias, poderá aparecer mais do que um herói ou até aqueles grupos dignos de um nome, tal qual esquadrão supremo, e todos eles com superpoderes inimagináveis.

“Conta-nos uma história.” Na próxima vez que aceder a este pedido, tentarei contar a história que começou a ganhar forma na minha imaginação. Uma história sobre cientistas, não só os de bata branca e pipeta na mão, mas também os de computador em riste e outras tecnologias supersónicas. Os cientistas que seguem numa aventura para desvendar os mistérios do vilão invisível — e descobrir como travá-lo.

Tal qual um emaranhado de linhas, seria um enredo onde os cientistas vão desconstruindo para construir o conhecimento. Da doença, percebem que é um vírus que a provoca, do vírus percebem que na sua estrutura existem moléculas responsáveis por entrar em contacto com as células humanas, invadi-las e destruí-las. E destas moléculas, as proteínas, vão ainda mais além para compreender como são elas capazes de tudo isto. Um caminho que pode ser difícil de contar de uma forma linear, com muitas voltas e reviravoltas, com muitas dúvidas e incertezas.

Para conseguirem identificar todas estas proteínas dos vírus, que aos nossos olhos são invisíveis, usam o que nesta história figurariam como verdadeiros superpoderes. Através de microscópios e raios-x são capazes de “ver” em nanómetros (1 nanómetro corresponde a 0,00001 milímetros, conseguem imaginar?) os átomos de uma proteína de um vírus. Através de programas de computador são capazes de simular, como num jogo, como funciona o vírus e dar pistas de que “armas” podemos usar para o deter. Através da colaboração e partilha, são capazes de avançar ainda mais rápido porque contam uns aos outros tudo o que vão descobrindo, as suas dúvidas e ideias.

Esta história poderia ser uma verdadeira epopeia, um poema heróico. Contudo basta ser contada como a realidade que vivemos para ser, ainda assim, fantástica. Uma história com espaço para muitas analepses; afinal, tudo o que a ciência está hoje a conquistar tem base em tantos capítulos do passado. Capítulos em que os cientistas foram, passo a passo, descoberta a descoberta, cimentando o conhecimento que os cientistas de hoje usam nesta odisseia.

“Conta-nos uma história.” O próximo conto não será sobre feijões, ou ovos de ouro, galinhas ou gigantes, será sobre um passado, um presente e um futuro em que a constante curiosidade humana e vontade de avançar no conhecimento permitiram vencer este inimigo invisível. E quem sabe tantos outros das próximas histórias.

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