Como Portugal está a vencer a “guerra”

A testagem tem sido em todas as latitudes a forma mais eficaz de controlar a propagação da covid-19 e Portugal, ao implementar uma estratégia adequada aos meios disponíveis, tem conseguido acomodar os casos mais urgentes no sistema hospitalar.

Poucos acreditariam que Portugal, saído de uma longa crise de dívida soberana, que motivou cortes na despesa e no investimento em saúde, refletindo-se no desinvestimento em equipamentos e mesmo na manutenção dos existentes, poderia enfrentar uma pandemia como a que estamos a viver.

Questionar se o Serviço Nacional de Saúde estava preparado para enfrentar esta guerra tem de nos merecer uma resposta óbvia; não estava. Aliás, nem os sistemas mais robustos do mundo estavam, como infelizmente temos vindo a reconhecer.

O setor privado, nomeadamente o das análises clínicas, também tem vivido, desde há muito e em especial após a entrada da troika em Portugal, sucessivas pressões por parte dos diversos governos para reduções sucessivas de preços de exames convencionados, de tal maneira que uma boa parte do País regrediu em termos de cobertura e acesso em proximidade e em tempo a simples análises. A ausência dos serviços públicos, com o encerramento de hospitais e de laboratórios de análises clínicas, era evidente antes de a pandemia dominar os nossos dias.

Num cenário como o descrito, como é que Portugal está a vencer a guerra e até a ser um exemplo face a outros países? Estará a ser pura sorte?

É verdade que tivemos a oportunidade de aprender, umas semanas antes, com o que se viveu em Itália e depois em Espanha, mas a capacidade de aprender não significa necessariamente ação. Na verdade, em Portugal, ainda antes de a realidade do impacto da pandemia ter chegado à Europa e de entrar em nossa casa através dos media, as autoridades de saúde, o INSA e os laboratórios clínicos privados já estavam a organizar a resposta a dar em termos de medição do contágio, trabalhando num modelo incremental de resposta em termos de testagem. Este diálogo revelou-se, assim, determinante na resposta.

Após o primeiro caso positivo, no dia 2 de março, o número de testes realizado era residual em Portugal, dando até a sensação que o País não saberia responder a esta ação absolutamente crítica para o controlo do contágio, temendo-se a erosão das condições de resposta hospitalar e a instalação do caos vivido em Itália ou em Espanha, apenas para referir dois casos dramáticos muito próximos de nós.

Efetivamente, o enquadramento não se mostrou inicialmente favorável a uma resposta massificada, dada a surpresa, a rapidez do contágio internacional e a disputa agressiva nos mercados pelos componentes de despiste e de tratamento.

No entanto, a realidade tem vindo a demonstrar que a estratégia incremental abordada foi a correta.

Ao mesmo tempo que os portugueses eram alertados pelas autoridades de saúde para a introdução de medidas comportamentais de higiene e posteriormente para um confinamento rigoroso, contendo desta forma a propagação do vírus, os mecanismos de testagem foram-se alargando.

Foi na implementação da estratégia definida que foram abertos e instalados postos de recolha de amostras, permitindo a proximidade à população e acesso à mesma fora de ambiente hospitalar, bem como uma resposta de cobertura abrangente do território nacional, seja através dos laboratórios públicos ou privados, garantindo a segurança dos utentes e dos profissionais de saúde.

A gestão da capacidade de realização de testes de forma incremental permitiu rapidamente colocar Portugal como o primeiro país europeu com maior realização de testes, a par com a Noruega. De notar que em pouco mais de um mês, os laboratórios clínicos privados passaram de uma capacidade de produção residual para uma capacidade de cerca de 6000 testes/dia, sendo responsáveis pela maioria dos testes realizados.

A testagem tem sido em todas as latitudes a forma mais eficaz de controlar a propagação da covid-19 e Portugal, ao implementar uma estratégia adequada aos meios disponíveis, tem conseguido acomodar os casos mais urgentes no sistema hospitalar.

Infelizmente, tem havido situações e falhas, mas que deverão ser analisadas à luz de uma pandemia que era difícil de imaginar. A testagem de grupos de risco, como os profissionais de saúde e os lares de idosos, não terá sido efetuada de acordo com a urgência desejável, mas foi e continua a ser a possível face à capacidade instalada com que o País conta e que, como referi, coloca Portugal como o país que mais testa na Europa.

No imediato, vamos continuar a testar da forma mais abrangente possível, tendo contudo a perspetiva de que teremos em simultâneo de colocar no terreno a testagem de verificação de cura e de imunidade atingida pela população portuguesa, pois é importante ter presente que, apesar de estarmos a ganhar “a guerra”, a mesma ainda não acabou. Para assegurar essa vitória, é importante manter a cadência e compromisso que tem vindo a ser assumido, tendo em atenção tanto a urgente necessidade de retoma da vida económica e social, como a capacidade de resposta a possíveis recidivas até à imunidade comunitária ou vacinação. Acreditamos que os laboratórios de análises clínicas continuarão a ter um papel essencial no apoio a uma contínua e bem-sucedida estratégia do Estado nesse sentido.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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