Mais ansiosos e com medo de infectar a família. Os efeitos da pandemia nos enfermeiros

Dados preliminares do estudo desenvolvido pelo CINTESIS “detectaram um aumento de cerca de 40% nos níveis de ansiedade” destes profissionais de saúde. Menos de 2% dos inquiridos procurou apoio.

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LUSA/MÁRIO CRUZ

Mais ansiosos, com medo de infectar a família e a dormir mal. Estes são alguns dos efeitos que a pandemia está a ter na saúde mental dos enfermeiros portugueses. Os dados preliminares do estudo que está a ser desenvolvido pelo Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS), a que o PÚBLICO teve acesso, “detectaram um aumento de cerca de 40% nos níveis de ansiedade” destes profissionais de saúde. Mas apenas 1,4% dos inquiridos procuraram apoio.

O trabalho está a ser feito em vários momentos, para seguir os efeitos da evolução da pandemia na saúde mental dos enfermeiros, com perguntas quinzenais aos mesmos 767 profissionais que responderam ao questionário online. Os dados preliminares, agora conhecidos, dizem respeito à fase inicial da pandemia, com a recolha de informação feita entre os dias 31 de Março e 7 de Abril.

“Não conseguimos identificar especificamente qual o factor que mais efeito teve nos níveis de ansiedade. Parece haver um peso substancial relacionado com o número de horas de trabalho [uma média de 42 horas semanais] e a qualidade e quantidade percepcionada como insuficiente dos equipamentos de protecção individual”, explica ao PÚBLICO Francisco Sampaio, um dos coordenadores do estudo.

De acordo com o inquérito, 45% dos enfermeiros percepcionam a quantidade das máscaras como não adequada e 52% entendem que sua qualidade não é satisfatória. Também perto de 55% têm a percepção que as viseiras ou os óculos de protecção não são adequadas em quantidade e qualidade. Ainda segundo o inquérito, 57% dos enfermeiros classificaram o seu sono como mau ou muito mau e 48% classificam a sua qualidade de vida como má ou muito má.

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O investigador do CINTESIS faz uma ressalva em relação ao aumento de 40% de ansiedade que o estudo identificou. “Existe um viés de memória. Quando confrontadas com algo negativo, as pessoas podem recordar o seu estado anterior como sendo mais positivo do que verdadeiramente o era. Estes dados foram colhidos já em pandemia”, explica.

Francisco Sampaio adianta que, no que diz respeito ao stress e ansiedade, os piores resultados foram encontrados nos enfermeiros que trabalham em cuidados intensivos, serviços médico-cirúrgicos, serviços de urgência e serviços destinados a covid-19. Os menores níveis de ansiedade e stress foram detectados nos enfermeiros que trabalham nos cuidados de saúde primários. Dados que diz terem de ser analisados com prudência, pois estas diferenças podem estar relacionadas com o tipo de trabalho que realizam nestes locais.

De acordo com o estudo, numa escala de zero a dez, o medo dos enfermeiros de se infectarem é, em média, de 7,6. Valor que sobe quando se fala da família. Nesse caso, o valor médio está nos 8,9. Será esse receio que faz com que 38% dos enfermeiros não vejam os irmãos há mais de 30 dias e 25% não vejam os pais também há mais de 30 dias. A percentagem sobe para 46,7% quando se fala de amigos.

A juntar a este afastamento, há ainda cerca de 10% dos enfermeiros que disseram não ir a casa, quase todos eles por decisão própria. “Podemos entroncar este dado com o medo de infectar a família. Esta deslocação não se traduz num aumento dos sintomas de stress, mas de sintomas depressivos pela angústia de não estar junto da família. É possível que estes sintomas depressivos sejam agravados se se prolongar o tempo que se mantêm longe da família”, admite o coordenador do estudo.

O inquérito permitiu apurar que apenas 1,4% dos inquiridos procuraram apoio. “Interpreto isto no sentido de missão em relação à pandemia. O facto de estarem tão empenhados nas tarefas que têm por estarem na linha da frente pode fazer com que subvalorizem os sintomas que sentem”, diz Francisco Sampaio, referindo que “o voltar à vida normal pode ser suficiente para restaurar” o equilíbrio.

Existem também opções de apoio, como a criada pelo Ministério da Saúde, e a linha criada pela Ordem dos Enfermeiros a que os profissionais podem e devem recorrer quando não se sentem bem. Além da aplicação de outras estratégias protectoras como limitar a procura de informação sobre covid ao essencial para o trabalho que desempenham e fazer exercício físico para descomprimir.

Para o investigador, os dados do estudo devem ser usados “para reflectir no que está a ser bem feito e no que está menos bem”. “A existir uma segunda vaga saberemos o que fazer diferente. Há questões que não se podem alterar, como o medo de se infectar e infectar a família, mas as relacionadas com a quantidade e qualidade dos equipamentos e as horas de trabalho podem ajudar a proteger a saúde mental dos enfermeiros”, aponta.

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