Escalada na guerra na Líbia com a covid-19 à espreita

É a primeira grande ofensiva do Governo reconhecido pela ONU, e acontece num momento em que se teme que as infecções pelo novo coronavírus se estejam a propagar pelo país sem freios.

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As forças de Haftar poderão contra-atacar no futuro próximo Reuters/ESAM OMRAN AL-FETORI

As tropas do Governo de Acordo Nacional líbio de Trípoli, o único reconhecido pelas Nações Unidas, dizem ter conquistado nos últimos dois dias sete cidades costeiras, chegando à fronteira com a Tunísia, às forças do marechal e senhor da guerra Khalifa Haftar. Em retaliação, drones dos Emirados Árabes Unidos, aliados de Haftar, bombardearam Trípoli. A intensificação dos combates acontece num momento em que se teme que a pandemia de covid-19 se propague sem freios no país, sobretudo nos campos de detenção de migrantes que passam pela Líbia a tentar chegar à Europa. 

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As tropas do Governo de Acordo Nacional líbio de Trípoli, o único reconhecido pelas Nações Unidas, dizem ter conquistado nos últimos dois dias sete cidades costeiras, chegando à fronteira com a Tunísia, às forças do marechal e senhor da guerra Khalifa Haftar. Em retaliação, drones dos Emirados Árabes Unidos, aliados de Haftar, bombardearam Trípoli. A intensificação dos combates acontece num momento em que se teme que a pandemia de covid-19 se propague sem freios no país, sobretudo nos campos de detenção de migrantes que passam pela Líbia a tentar chegar à Europa. 

“As nossas forças tomaram o controlo de Surman e Sabratha e estão a perseguir as forças” de Haftar, disse Mohammed Gnunu, porta-voz do Governo de Acordo Nacional (GAN), citado pela Al-Jazeera. Dois aviões de fabrico chinês e um helicóptero russo das fileiras de Haftar foram abatidos na segunda-feira, revelou Gnunu. 

Horas depois, as tropas de Trípoli avançaram, com apoio de drones turcos, pela auto-estrada costeira, e conquistaram mais cinco cidades, num total de sete, diz o Middle East Eye. Aproveitaram o efeito surpresa e toda a costa até à fronteira com a Tunísia está agora sob controlo do Governo com sede em Trípoli. 

Sem conseguirem suster as suas linhas, os salafistas, seguidores de uma doutrina ultraconservadora do islão, que têm vindo a ganhar força desde a queda do coronel Kadhafi, em 2011, e se tornaram aliados de Haftar, recuaram nas suas posições, por vezes numa fuga desordenada, deixando para trás diverso material e veículos de guerra. Numa publicação de Facebook, referida pela Al-Jazeera, o Governo mostrou fotografias de armas, de dez tanques e outros veículos blindados capturados. Também surgiram nas redes sociais vídeos de milicianos a dispararem em celebração armas para o ar, diz o Middle East Eye

A operação militar pode dar ainda um novo passo, desta vez contra uma das principais bases aéreas de Haftar, a de Al-Watyia, a Sudoeste de Trípoli, onde estão pelo menos uma parte dos aviões que bombardeiam a capital, diz o correspondente em Trípoli da Al-Jazeera, Mahmoud Abdelwahed. 

A ofensiva do Governo de Fayez Mustafa al-Sarraj, denominada Operação Tempestade de Paz, é a primeira após meses a tentar evitar que Haftar, que controla a maior parte do país, entrasse na capital depois do fracasso da ofensiva de Abril de 2019. Apesar de apelos ao embargo de armamento, o GAN, apoiado pelo Qatar, Itália e Turquia, recebeu armas e mais de dois milhares de combatentes árabes sírios, concentrando tropas suficientes para passar ao ataque – ​Haftar tentou evitá-lo bombardeando um navio de transporte ancorado no porto da capital

Por agora, a primeira resposta de retaliação do lado de Haftar foi o bombardeamento da capital líbia com artilharia e drones dos Emirados Árabes Unidos, seus aliados, matando oito pessoas. O Governo de Sarraj acusou Haftar de se ter vingado em civis, com este a dizer que o alvo foi um posto de controlo de militares.

A intensificação do conflito acontece num momento em que a Líbia tem 25 casos confirmados de covid-19 e se teme que os muito frágeis cuidados de saúde públicos, dilacerados por anos de guerra civil, não aguentem o embate da subida de infecções. Um hospital em Trípoli com 400 camas foi bombardeado. 

O mais provável é que o baixo número de casos se deva à falta de testes e monitorização. “Se a pandemia de covid-19 se espalhar pela Líbia, o país não não conseguirá lidar com um grande número de pacientes”, garantiu à revista Forbes Hanan Salah, investigadora da Human Rights Watch para a Líbia. Caso a doença se espalhe entre os campos de detenção de imigrantes, não haverá como responder.

Foi por isso que Malta pediu à União Europeia uma urgente ajuda humanitária de 100 milhões de euros para que se evite um desastre. As cidades costeiras onde se deram os mais recentes combates albergam mais de meio milhão de refugiados –​ Surman e Sabratha têm sido duas cidades pilar dos traficantes que exploram quem quer chegar à Europa – e os campos de detenção, onde os direitos humanos dos detidos são recorrentemente violados e as condições são miseráveis, estão completamente cheios. Além disso, já foram alvo de bombardeamentos. Os refugiados vêem-se então encurralados entre o cair das bombas, a pandemia, campos desumanos e a exploração dos traficantes. 

O Mediterrâneo é, portanto, a única alternativa que se lhes apresenta, mesmo que seja a rota mais mortífera do mundo, argumenta o ministro dos Negócios Estrangeiros de Malta, Evarist Bartolo. “Neste contexto terrível, estão reunidos todos os ingredientes para um grande desastre humanitário, pois estas pessoas desesperadas vêem o Mar Mediterrâneo como a sua única escapatória”, disse o governante maltês, citado pela Reuters. 

A Líbia está embrenhada na guerra e no caos desde 2011, depois de o ditador Muammar Khadafi ter usado a força das armas para reprimir os protestos democráticos da Primavera Árabe. Seguiu-se uma guerra civil, a intervenção da NATO e governos foram entretanto criados. Hoje, o poder no país rico em petróleo está dividido entre o Governo de Trípoli e o de Haftar, com sede em Tobruk, e todas as negociações de paz têm falhado –​ chegou a ser acordado um cessar-fogo, mas depressa foi violado.

Apesar do embargo às armas das Nações Unidas e de uma missão marítima da União Europeia para o fazer cumprir, os combates já mataram mais de 280 civis e dois mil combatentes e obrigaram à deslocação de 146 mil pessoas, de acordo com as Nações Unidas. 

Na senda do apelo a um cessar-fogo global do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, tem-se tentado que as partes do conflito concordem num cessar-fogo, mas sem sucesso. De costas voltadas, os dois governos continuam os combates e têm decretado medidas de isolamento para impedir a propagação do coronavírus nos territórios por si controlados, como o encerramento de escolas, mas nada garante que o vírus não se esteja a espalhar.