Guterres “profundamente preocupado” espera que se “evite uma luta sangrenta” na Líbia

Secretário-geral da ONU apanhado no meio de anúncio de ofensiva do marechal Haftar para conquistar todo o país numa visita para preparar a Conferência Nacional,

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O secretário-geral da ONU, António Guterres, em Trípoli, com o enviado especial da ONU para a Líbia, Ghassan Salame Hani Amara/REUTERS
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Veículos militares confiscados às forças do marechal Haftar pelo Exército líbio,Veículos militares confiscados às forças do marechal Haftar pelo Exército líbio Hani Amara/REUTERS,Hani Amara/REUTERS

O secretário-geral da ONU deixou ontem a Líbia “profundamente preocupado e com o coração pesado” por causa da crise político-militar no país, dando a entender que será difícil travar a vontade do marechal Khalifa Haftar de marchar para Tripoli, a capital do país.

Numa mensagem publicada no Twitter, depois do encontro em Benghazi com Haftar, António Guterres disse ainda acreditar “na possibilidade de evitar uma luta sangrenta em Tripoli e nos arredores”, numa frase que dá a entender a probabilidade de continuarem os combates pelo controlo da capital entre as forças de Haftar, que domina, a partir do Leste, mais de metade do país, e as milícias aliadas do Governo de Fayez al-Sarraj.

O anúncio da ofensiva do Exército Nacional Líbio, comandado por Haftar, apanhou Guterres de surpresa nesta sua primeira visita à Líbia para preparar a Conferência Nacional sobre o futuro do país, marcada para 14 a 16 deste mês em Gadamés, oásis berbere junto à fronteira com a Tunísia e a Argélia.

“Fui surpreendido por uma série de movimentos militares e uma série de declarações públicas que, logicamente, causam uma grande preocupação”, disse Guterres em conferência de imprensa na quinta-feira, na capital líbia. O secretário-geral da ONU apelou “à contenção, à calma”, pedindo o desagravamento da tensão e sublinhando que “não há solução militar para os problemas da Líbia”.

Guterres reuniu-se com Haftar, depois de antes se ter encontrado em Tobruk, também no leste da Líbia, com Aguila Saleh, líder da Câmara dos Representantes, que também não reconhece o Governo de Al-Sarraj, apoiado pela ONU.

Se do encontro com Saleh ainda resultou um comunicado conjunto, embora sem grandes especificidades, da reunião com Haftar nem duas ou três linhas lacónicas. Só o tom pesado do secretário-geral da ONU que deixa transparecer a vontade do senhor da guerra do Leste em prosseguir os seus objectivos militares. “A ONU está empenhada em ajudar a encontrar uma solução política e, aconteça o que acontecer, está empenhada em ajudar o povo líbio”, escreveu Guterres.

Na quinta-feira, depois da conquista da cidade de Gharyan, 90 km a sul de Tripoli, o marechal que fez a revolução com Muammar Kadhafi no final dos anos 1960, mas depois se exilou nos Estados Unidos (onde viveu quase duas décadas e obteve a cidadania americana), disse aos seus homens que “chegou a hora” de avançar para a capital. À ofensiva chamou-lhe “Libertar Tripoli”.

Com o Conselho de Segurança reunido de emergência esta sexta-feira, a pedido do Reino Unido, as forças de Haftar eram travadas a uma trintena de quilómetros da capital líbia, em Zawiya, com 145 dos seus homens e 60 veículos capturados pelas forças próximas do Governo. A imprensa líbia fala ainda de combates na cidade de Aziza, cerca de 50 km a sudoeste da capital.

A mesma imprensa líbia que refere a fuga de vários chefes de milícias e alguns membros do Governo de Al-Sarraj para a Tunísia e a Turquia, com receio dos avanços dos homens que chegam do leste.

Al-Sarraj ordenou às milícias que apoiam o Executivo saído do Acordo Nacional Líbio de 2015 para estarem prontas “para enfrentar qualquer ameaça”, recebendo o apoio de vários senhores da guerra da Líbia Ocidental para “deter o avanço maldito dos apoiantes de Haftar”. Ontem, o primeiro-ministro visitou o checkpoint 27, na região de Wershiffana, onde o avanço das forças de Haftar em direcção a Tripoli foi travado depois de combates que duraram toda a noite. De acordo com fontes do Governo, mais de uma centena de homens do ENL foram feitos prisioneiros.

Se os combates prosseguirem no terreno, cai por terra o empenho das Nações Unidas para encontrar uma solução política para a Líbia – desde a queda de Khadafi dividida entre facções que fazem uso dos 20 milhões de armas deixadas pela guerra civil para manter o país no caos –, depois dos esforços para convencer todas as partes a sentarem-se à mesma mesa em Gadamés. A ONU prometera uma solução política líbia para um problema líbio, sem interferência estrangeira, mas o marechal Haftar parece mais inclinado para outro tipo de solução líbia, a das armas.

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