“Lá fora há outros governos a valorizar” os enfermeiros, “aqui não”, critica a Ordem

Noutro âmbito, a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros reagiu a uma movimentação recente de 24 enfermeiras brasileiras que pedem para serem inscritas na Ordem, para ajudarem Portugal. Ordem diz que uma universidade tem primeiro de estabelecer as equivalências.

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Cuidados intensivos continuam a ser uma preocupação da Ordem dos Enfemeiros Reuters/LEHTIKUVA

“Lá fora, há outros governos a valorizar esta profissão. Aqui, não.” As palavras são de Ana Rita Cavaco, Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, em reacção à contratação de 500 enfermeiros para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Uma medida que considera não suprir as lacunas existentes – não tanto em número, mas na forma.

Ao PÚBLICO, a Bastonária reconheceu que é um bom reforço de pessoal, mas alertou para dois problemas. Por um lado, adverte que “são contratos de quatro meses e, no fim disso, eles [enfermeiros] podem ou não ficar” e, por outro, aponta que a verdadeira necessidade não são enfermeiros no geral, mas profissionais capazes e capacitados para trabalharem em unidades de cuidados intensivos.

“O problema não era tanto aí [reforço de enfermeiros no SNS], mas sim em enfermeiros com experiência em cuidados intensivos (CI). Há um grupo específico de enfermeiros com experiência em CI que precisa de ser rendido. São enfermeiros que fazem horário em espelho. Nos CI, isso ainda existe [intenção de reforçar], porque dizer que compramos 500 ventiladores per si não resolve o problema, porque os ventiladores não se ligam sozinhos”, detalha.

Explicando que, tal como nos enfermeiros de bloco operatório, os enfermeiros de CI precisam de experiência específica, que pode demorar mais de seis meses, Ana Rita Cavaco voltou à carga na forma como o Governo português olha para os enfermeiros.

“Falei com uma enfermeira portuguesa que não pôde aceitar a proposta [de contratação por quatro meses] e embarcou para a Alemanha. Enfermeiros portugueses lá fora até poderiam querer regressar, mas não se sentem valorizados”, contou.

Bastonária irredutível quanto a enfermeiros brasileiros

Noutro âmbito, a Bastonária reagiu a uma movimentação recente de 24 enfermeiras brasileiras, já residentes em Portugal, que pedem para serem contratadas e inscritas na Ordem, com urgência, para ajudarem o país e o SNS na luta contra a covid-19.

“Estudei cinco anos, quero ajudar a sociedade e estou a colocar a minha vida em risco. Mas quero colocar”, apela Rosilene Resende, uma das enfermeiras, apontando para o tratado celebrado entre Portugal e o Brasil, de equivalência profissional entre os cursos de enfermagem brasileiros e portugueses.

O problema é que, para a Ordem, o tratado pressupõe que uma Universidade portuguesa estabeleça as equivalências, por existir desencontro de plano de estudos e de ECTS (European Credits Transfer System) entre os cursos de enfermagem dos dois países. E a Ordem não abdica da equivalência universitária portuguesa que estas enfermeiras ainda não têm.

 “Se existe resistência da Ordem aos enfermeiros brasileiros? Claro que existe. Estamos a lidar com a vida das pessoas, não é num supermercado. Temos de ser criteriosos. Estes enfermeiros brasileiros não vão ultrapassar as normas só porque estamos em estado de emergência. Não vou dar essa benesse. Pressionem muito ou pouco, eu não vou ceder. E não é por serem brasileiros. Estamos fartos de dar certificações a brasileiros, temos muitos colegas brasileiros e são sempre bem-vindos. Mas aqui não trabalham enquanto não cumprirem os pressupostos. A legislação é clara”, disse ao PÚBLICO Ana Rita Cavaco. E acrescentou: “Neste momento, o Brasil também deve estar a precisar de enfermeiros, podem trabalhar lá”.

A empresa de consultoria que está a representar estas enfermeiras argumentou ao PÚBLICO que o facto de haver um tratado entre as Ordens dos Enfermeiros dos dois países deveria ser suficiente para haver equivalência profissional e assume que as enfermeiras têm tido dificuldade para comprovar às Universidades portuguesas que têm os equivalentes em ETCS de horas de aulas teóricas e práticas. E que, por isso, têm de passar pelo período de formação complementar nas universidades – que ainda não concluíram.

Olhando para o período actual, de combate à covid-19, as enfermeiras até sugerem que lhes sejam feitos contratos temporários, deixando em stand-by os processos universitários já em curso.

Uma sugestão que, pela clara tomada de posição da Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, deverá ser pouco mais do que vã.

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