“Cansado” da oposição interna, Ventura demite-se da presidência do Chega e volta a concorrer ao lugar

Criticado por se ter abstido na renovação do estado de emergência, André Ventura diz ser o momento de “clarificar as águas”. Recusa presidir a um partido do sistema e desafia os opositores a irem a jogo.

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André Ventura será recandidato à liderança do Chega rui gaudencio

André Ventura anunciou, este sábado, que vai apresentar a demissão de presidente da direcção nacional (DN) do Chega e convocar eleições por estar “farto e cansado” de sentir que o seu trabalho é boicotado por gente do próprio partido. Embora não tenha falado sobre a sua candidatura presidencial, deverá ser ponto assente que essa se mantém.

Numa declaração que publicou nas redes sociais ao início da noite, o deputado deixou vários recados para dentro do partido mas sem apontar quaisquer nomes e prometeu voltar a concorrer, desafiando: “Sou novamente candidato a presidente da DN do Chega e convido todos aqueles que pensam que podem fazer sombra a apresentarem-se e a darem a cara neste momento.”

A verdade é que ir a eleições para presidente do partido novamente e apenas quatro meses antes das presidenciais – para as quais é já o primeiro candidato oficial na corrida - tornaria Ventura um líder ainda mais reforçado. É o próprio que reconhece que este episódio pode prejudicar o partido, mas as eleições dar-lhe-ão força para os desafios próximos – as regionais nos Açores e as presidenciais de Janeiro.

“Estou farto, estou cansado daqueles que sistematicamente boicotam o trabalho da DN, que estão contra as suas posições, que se empenham mais em atacar o partido, em divulgar mensagens privadas, em divulgar opções internas do partido do que em ajudá-lo a crescer”, lamenta Ventura. Que atribui esta atitude de alguns membros ao grande crescimento do partido – um crescimento que “atraiu o pior que a vida política tem, o pior que o sistema tem, aqueles que procuram sempre um lugar ao sol, a todo o custo, sem regras. Estão sempre à espera do momento certo para atacar.” São pessoas que querem transformar o Chega num partido do sistema, como PS, PSD ou CDS – e Ventura recusa presidir a um partido assim, “por muito que isso dê frutos eleitoralmente e permita negociatas de poder”, diz.

A decisão de André Ventura estará ligada ao aumento de críticas internas que recebeu nos últimos tempos e que tiveram um pico esta semana depois de o deputado, que há muito defendia a declaração do estado de emergência e o encerramento de fronteias, ter decidido abster-se por não concordar com a medida prevista para a libertação de alguns presos – uma forma de procurar diminuir a lotação dos estabelecimentos prisionais e prevenir o contágio por coronavírus

 “O Chega não poderá aceitar a libertação de presos na cadeia, por muito de nos digam que é uma orientação da OMS”, declarou no Parlamento, acrescentando que o estado de emergência “é para controlar uma pandemia e não para gerar o pandemónio”. E insiste agora: “Nenhum pretexto pode justificar que se ponham reclusos na rua. Não podemos juntar a uma crise económica e de saúde pública uma crise de impunidade e de criminalidade.”

Sobre as outras críticas que lhe fazem, acrescenta: “Fartei e cansei dos que internamente estão sempre a acenar com o fantasma do racismo, que estamos a ser extremistas, que temos que nos moderar. Esta é a linha e génese do Chega, sem medo de o discurso não ser o politicamente correcto; o contrário será fazer do Chega um partido do sistema.”

Deixa, por isso, um desafio claro: “É o momento dos que andaram permanentemente a fazer sombra ao trabalho da direcção nacional e ao meu trabalho no Parlamento, nas redes sociais, nos media, é o momento de se apresentarem a eleições, darem-se a conhecer aos militantes e os seus projectos para o Chega.”

Quanto ao que podem esperar de si, Ventura é também muito claro: “O meu caminho é o que temos seguido até agora, talvez me possam apelidar de radical e de extremista, mas é radicalmente contra o sistema e é extremista na medida em que já não vamos lá sem soluções fortes para salvar Portugal.”

O ainda presidente garante que não está “agarrado ao poder”. “Se perder a eleição para presidente, renunciarei imediatamente ao meu lugar no Parlamento”, promete, para logo a seguir avisar que não se deixará ir “sem luta”. “O Chega é demasiado importante, a nossa luta é demasiado importante para que centenas de pessoas que chegaram aqui enviesadas pelo sistema queiram ou possam destruir o nosso projecto.” Por isso, desafia: “Está nas vossas mãos.”

Na sua página oficial da rede Facebook, André Ventura tinha já avisado na véspera da discussão e votação no Parlamento que “talvez” até poderia votar contra. E avisava: “Tenho consciência de que ao votar amanhã vincularei todo o partido a uma posição. Faço-o, como sempre, em total lealdade para com os militantes do partido e com a minha consciência. Assumirei total responsabilidade pelas consequências políticas dos meus actos!”

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