Ó meu rico Santo António, em Junho ninguém te vai ver marchar

Pela primeira vez em mais de 30 anos poderá não haver marchas populares em Lisboa. Ainda não há decisão oficial, mas nos clubes já se discute: adia-se o concurso para o Outono ou deixa-se para o ano que vem?

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As marchas mobilizam os bairros de Lisboa e levam à Avenida milhares de espectadores Andreia Carvalho

Em Lisboa, a chegada dos dias grandes e quentes costuma pôr as suas gentes a fervilhar e a sonhar com o Verão, momento clímax em que os bairros descem a Av. da Liberdade para desfilar um orgulho difícil de explicar. Este seria o momento do ano em que ringues, pavilhões e salões se transformariam em grandes salas de ensaios e se começariam a vislumbrar roupas, arcos e passos. Mas 2020 não será assim. A chegada do novo coronavírus veio baralhar tudo e pela cidade já se dá como certo que este ano não haverá marchas nem arraiais – pelo menos em Junho.

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Em Lisboa, a chegada dos dias grandes e quentes costuma pôr as suas gentes a fervilhar e a sonhar com o Verão, momento clímax em que os bairros descem a Av. da Liberdade para desfilar um orgulho difícil de explicar. Este seria o momento do ano em que ringues, pavilhões e salões se transformariam em grandes salas de ensaios e se começariam a vislumbrar roupas, arcos e passos. Mas 2020 não será assim. A chegada do novo coronavírus veio baralhar tudo e pela cidade já se dá como certo que este ano não haverá marchas nem arraiais – pelo menos em Junho.

A Câmara de Lisboa e a sua empresa de cultura, a EGEAC, ainda nada disseram oficialmente, mas nas colectividades que organizam as marchas já ninguém acredita que a noite de Santo António se pinte com as cores da habitual festa. Uma convicção que sai reforçada quando se olha para o exemplo de outras cidades: Setúbal adiou as suas marchas populares para Setembro, Braga cancelou as festas de São João, Ponta Delgada não vai celebrar o Divino Espírito Santo nem o Santo Cristo.

Até agora, a EGEAC só pediu aos clubes que suspendessem os ensaios e a contratação de serviços até esta sexta-feira. Com a renovação do estado de emergência nacional e a situação pandémica num momento delicado, a expectativa nos bairros é que surjam novas orientações em breve. Cancelam-se as festas e retoma-se a normalidade em 2021? Adiam-se para um mês algures no Outono? É este o debate em curso. O PÚBLICO enviou questões à câmara e à EGEAC, mas não obteve resposta.

“Não haverá festas em Junho, mas haverá noutra ocasião”, acredita Pedro de Jesus, coordenador da marcha do Alto do Pina, que em 2019 ganhou o concurso depois de apenas um ano antes ter estado em risco de ser excluída. O e-mail que recebeu da EGEAC a meio de Março pedia a suspensão dos ensaios mas nada dizia sobre um eventual cancelamento das marchas. Aliás, relata, o processo burocrático continua a decorrer. “A 31 de Março tivemos de enviar mais documentação”, exemplifica.

O Ginásio do Alto do Pina e os seus marchantes estão disponíveis para “participar seja em que altura for” e “nos moldes que a câmara definir”, mas Pedro de Jesus destaca a “serenidade” de todas as marchas perante uma pandemia que a cada dia muda de contornos e torna difícil antecipar o futuro. “Não sabemos qual será o panorama daqui a uns meses. Se o panorama se alterar, o Alto do Pina está disponível. Mas logo se vê”, sublinha.

Paulo Lemos, da vizinha marcha da Penha de França, vê difícil que haja festas este ano. “Os recursos devem estar direccionados para outras áreas que sejam mais prementes. Não acho que seja o ideal fazer este ano”, opina.

A câmara desembolsa anualmente, para apoio às colectividades organizadoras, 600 mil euros (30 mil para cada uma das 20 que participam). O subsídio costuma chegar entre o fim de Março e o princípio de Abril, que é também quando a maioria das marchas começa os ensaios. O trabalho e as despesas, porém, começaram há bem mais tempo. A escolha do tema, das letras, da música e do figurino principia em Outubro do ano anterior, seguindo-se a compra de tecidos para os fatos e de outro material para os arcos.

“Nós temos 30 a 35% do investimento já feito”, estima Bruno Santos, presidente da Associação Recreativa Leais Amigos, organizadora da marcha de São Vicente. “Por esta altura já está tudo mais do que a andar”, diz o dirigente.

Se não houver marchas em 2020 estará longe de ser a primeira vez que tal acontece. Logo após a sua criação, nos anos 1930, houve um interregno de cinco anos (entre 1935 e 1940), a que se seguiu um de sete anos e uma instabilidade que perdurou até depois do 25 de Abril. Desde 1988, contudo, que o concurso se realiza sem excepções.

“As marchas, mais cedo ou mais tarde, vão ter de se reunir”, diz Paulo Lemos, do Sporting Clube da Penha de França, que em 2019 alcançou o terceiro lugar do pódio. A mesma opinião tem Américo Silva, presidente do Marítimo Lisboa Clube, que organiza a marcha da Bica, embora este seja favorável a um adiamento para o Outono. “Nós estamos dispostos. Seja em Junho ou Setembro, faz-se. Excepcionalmente, faz-se.”

“Tudo aquilo que nós comprámos não se estraga”, afirma, por sua vez, João Ramos, coordenador da marcha de Alfama, segundo lugar no ano passado. Desde que a câmara comparticipe, em todo ou em parte, os investimentos já feitos, o tesoureiro do Centro Cultural Dr. Magalhães Lima não vê problema em que se cancele o concurso deste ano. “Não vai haver marchas em Junho porque nenhuma marcha tem condições de ensaiar num mês aquilo que às vezes demora seis meses”, mas para João Ramos também não faz sentido haver festas em Setembro ou Outubro. “Não se pode comparar com o adiamento do futebol ou da Feira do Livro. É como se dissessem que vamos fazer o Natal na Páscoa.”