O PÚBLICO, o Big Bang e a colina do novo

O traço identitário que mais aprecio no PÚBLICO consiste na vocação para ser colina do novo e incumbadora de um futuro que aspira a ir mais além.

Discerni das celebrações dos 30 anos de vida do PÚBLICO que tive o prazer de vivenciar que os detalhes são da essência, tanto quanto são o propósito de posteridade e de ser escola. Ocorreu-me ligar o ditame do pintor Gerhard Richter: pinto para a posteridade, dispenso os detalhes, com o do também pintor Paul Klee que definia o ponto como a origem da linha. Neste prumo de ideias, recordo o dia em que fui comprar o PÚBLICO, que afinal não estava à venda. Surgindo dias depois noutro Jornal que o tempo diluiu nos idos, a capa Trabalhar para o Boneco (salvo erro), assim derreando em primeira página a malograda tentativa do PÚBLICO surgir a horas nas bancas.

Este ponto, origem da linha de vida do PÚBLICO não é um detalhe. Expõe-nos a algo de ontem como de hoje: a atitude de uma parte relevante da sociedade perante o novo. E que pela sua atualidade em face do nosso futuro, elego como ponto de reflexão na oportunidade dos seus 30 anos. Isto é porque persiste em Portugal um afrontamento entre duas atitudes opostas que prejudica a vontade colaborativa. Uma é atitude que ambiciona saber ler os tempos, propondo-se ao esforço tão custoso como desafiante, como é o de correr atrás das canelas da novidade como forma de entreabrir o futuro a partir de Portugal. A outra é a atitude que perante o novo se fecha na negação, na apatia ou na resistência. Não vê mais à frente, deixando a chocar um ovo, do qual salta um pintainho que de repente lhe canta de galo. Despertando-o para que os setores estratégicos são cada vez mais um quintal de outras nacionalidades, desde a banca, à energia, às comunicações, às infra-estruturas (aero)portuárias e rodoviárias, sem esquecer a advocacia, depositária de uma boa parte dos segredos do país e do acesso aos decisores-chave, ou o nível de vida na cauda da UE.

Mais do que a troika, a última década gerou um quotidiano baseado em linhas de comunicação ao serviço do crime e despesismo, distribuiu salvo-condutos entre farsantes em zonas impensáveis como no cume das empresas, do generalato e da magistratura judicial. Difundiu sobre a vida portuguesa um sentimento que ultrapassa a perda de confiança e que só a palavra duplicidade consegue exprimir. Incitando-nos a recuperar no decénio de vinte a dignidade da vida pública, e a preparar a população para absorver alterações na organização social da qual depende o nosso quotidiano, das quais destaco três. Uma é a alteração decorrente das taxas de juros negativas prolongadas. Faço notar que já não é verdade a ideia de acordo com a qual o Tempo é Dinheiro. Isto implica uma mudança de tal forma grande na dinâmica da economia de mercado, que é como se o baixo passasse a ser alto, e se o alto passasse a ser baixo. Outra alteração é a emergência de um novo ambiente comunicacional, incluindo de trocas e pagamentos, centrado no ciberespaço, que desencadeou um efeito primordal: a afirmação da reputação como new commodity. A terceira alteração é a ambição de projetar o novo decénio como a “decade of action and delivery” dos objetivos de Desenvolvimento Sustentável que será concretizada numa dinâmica de my country first e de aprofundamento das restrições aos movimentos internacionais de capitais.

Perante tudo isto é crucial criar na população uma atitude de saber ler os tempos. Sthepen Hawking para explicar o Big Bang ensinava que um dos factos estranhos do nosso cosmos é que as leis da física requerem a existência do que se designa por energia negativa. Exemplificava com a analogia de alguém que pretendia criar uma colina num solo plano. A colina representa o universo. Para fazer a colina cavava um buraco no solo e usava a terra. Porém não estava só a fazer uma colina estava também a fazer um buraco, a versão negativa da colina. E a terra que esteve no buraco tornou-se a colina. O desafio que se coloca a Portugal é o de promover uma vontade colaborativa baseada numa atitude social de adesão ao novo, tanto quanto é o de neutralizar a inevitável energia negativa de resistência, apatia ou negação, a tal versão negativa da colina. Nisto a imprensa e o PÚBLICO são insubstituíveis. O traço identitário que mais aprecio no PÚBLICO consiste na vocação para ser colina do novo e incumbadora de um futuro que aspira a ir mais além. Na fidelidade quotidiana a esta vocação estará o caminho para pegar de estaca o seu intuito de posteridade, de ser escola. No que penso ser de bom conselho ter fresco na memória aquilo que ensinam os melhores: a grandeza de um passado presente, não conduz a futuro algum.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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