Andar, respirar, sentar!

Caminhar, como procurar o silêncio, num tempo dominado pela eficiência económica, a competitividade ou o ruído, são práticas de resistência.

Andar é terapêutico. Vive-se o corpo. Transforma-se a relação com tempo e espaço. E é também uma experiência cognitiva. Rousseau dizia que só meditava quando caminhava. A mente só trabalhava com as pernas. Percebe-se. Caminhar, simbolicamente, acaba por ser a grande aventura.

E não é preciso fazê-lo a correr como os ideais contemporâneos de rentabilidade nos querem fazer acreditar. Chegamos todos ao fim. Por isso mais vale ir desfrutando. Deixarmo-nos ir no fluxo das ruas, perdermo-nos nos seus desvios e perceber as suas dissonâncias, desperta-nos e faz-nos estar mais aptos para dialogar com os outros e a realidade à nossa volta. Caminhar, como procurar o silêncio, num tempo dominado pela eficiência económica, a competitividade ou o ruído, são práticas de resistência.

Caminha-se cada vez menos nas cidades. Os privilegiados que conseguem habitar nos centros urbanos, por norma vão de carro para os empregos longe de casa. E os que foram expulsos do centro andam de transportes públicos porque os trajectos são distantes. Simplifico, eu sei. Mas não tanto quanto isso. A cidade densa, compacta e democrática, sem grandes desvios, intervalos ou cisões, é cada vez mais miragem. Mas há excepções.

Existem muitas formas de olhar para uma cidade. Em Portugal, neste momento, a lógica dominante são os números, lançados com frémito à opinião pública (“Turismo em Lisboa vale seis Autoeuropas”, expunha Fernando Medina há semanas), mas sem que se explique quem beneficia desses milhões, o que está a ser feito com eles, que tipo de empregos geram e que exclusões produzem e o que está a ser feito para as acautelar.

É uma forma de olhar para uma cidade. Há outras. Numa inspiradora publicação recente no Facebook, o investigador José Carlos Mota escrevia: “Diz-me que bancos tens, dir-te-ei que cidade és!” E não poderia estar mais de acordo. Discorria sobre a cidade de Bilbau, onde também estive recentemente. É uma urbe que convida a andar. As praças respiram, os passeios são largos, há parques, a mobilidade urbana é fluida, a qualificação do espaço público em prol das crianças é um facto. Apetece usufruir, cansarmo-nos e retemperar. E quando isso acontece, lá estão eles, os bancos, em bons e diversos sítios para nos sentarmos, a sós, a dois, ou em grupo, correspondendo a diferentes formatos, conforme as necessidades de continuidade, repouso, encontro e sociabilização.

Em qualquer cidade média espanhola, o espaço público é vivido de forma mais vibrante do que em Portugal, mas não é apenas uma questão cultural. É de planeamento urbano, equilíbrio entre vida cultural, social e comercial. Fazer sentir aos cidadãos que o seu quotidiano está em primeiro lugar. No sentar, enquanto lugar de consumo, através de esplanadas, já reduzimos distâncias, mas teve de ser através do turismo e não de uma estratégia de qualificação do espaço público para todos.

O que é incrível é que todas estas noções são hoje valorizadas pela generalidade dos cidadãos, principalmente entre as novas gerações, que não desejam a mera subordinação ao tempo económico, mas sim abrandar, ter tempo, fruir. Infelizmente, quando pensamos nestas noções, fazemo-lo sempre a partir de uma perspectiva individual — é por isso que os livros de auto-ajuda são um sucesso — e nunca colectiva, cívica e política. E isso é que era essencial. Era importante que um estilo de vida mais humanizado não fosse acessível apenas a uma minoria, mas fosse algo integrado no próprio planeamento da cidade, ao serviço da maioria.

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