Autarcas de Borba e técnicos do Estado acusados de cinco crimes de homicídio

Entre os oito arguidos, apenas a empresa que explorava a pedreira e o funcionário responsável por ela não estão acusados de homicídio, sendo-lhes imputados crimes de “violação de regras de segurança”

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A derrocada de 19 de Novembro de 2018 causou a morte a cinco pessoas Nuno Ferreira Santos

O presidente da Câmara de Borba, António Anselmo, o seu vice-presidente, Joaquim Espanhol, estão acusados, cada um, de cinco crimes de homicídio, no caso da derrocada numa pedreira de Borba, em Novembro de 2018.

Pelos mesmos crimes estão também acusados quatro funcionários da Direcção-Regional de Economia do Alentejo/Direcção-Geral de Energia e Geologia (DREAL/DGEG), incluindo o director regional da DREAL do Alentejo, João Gonçalves de Jesus.

A empresa responsável pela pedreira, a ALA de Almeida Limitada, e o engenheiro civil que tinha a responsabilidade pela pedreira Olival Grande/São Sebastião são acusados, cada um, de dez crimes de violação de regras de segurança.

O despacho de encerramento do inquérito do Departamento de Investigação e Acção Penal Regional de Évora, a que o PÚBLICO teve acesso, frisa que os problemas de estabilidade do talude que terão estado na origem da derrocada que matou cinco pessoas “estavam identificados há vários anos” e que eram do conhecimento dos técnicos da DREAL “pelo menos desde 2001”, sendo, posteriormente “do conhecimento de todos os arguidos em função”.

Sobre os dois responsáveis autárquicos – o presidente e o vereador e vice-presidente em quem delegou competências relativas ao planeamento, ordenamento do território e urbanismo, património e protecção civil –, o despacho refere que eles tinham a responsabilidade de “zelar pelas condições de circulação rodoviária nas vias sob tutela do município de Borba, tal como acontecia com a EM 255, e de segurança”, incluindo a tomada de providências para “evitar eventuais ruínas de construção e infra-estruturas na área do município, determinando a demolição daquelas que constituíssem perigo para a segurança das pessoas”.

Os dois poderiam, por isso, determinar “o corte de trânsito, a demolição ou a proibição de passagem” no troço da EM 255 que viria a sofrer uma derrocada, arrastando os veículos que ali circulavam para o fundo da pedreira. Contudo, refere o despacho, “não o fizeram”.

Numa conferência de imprensa, na manhã desta quinta-feira, na Câmara de Borba, António Anselmo garantiu que não se demite e que vai preparar a sua defesa. Alegando que o processo ainda está em segredo de justiça recusou-se a prestar mais esclarecimentos. "Como está em segredo de justiça, não vou dizer coisa nenhuma, agora, demitir-me nunca, naturalmente”, disse, citado pela agência Lusa.

Os responsáveis da extinta DREAL, que transitaram para a DGEG são visados por recaírem sobre estes organismos – e cada um deles no exercício das funções que desempenhavam – responsabilidades de licenciamento e fiscalização das pedreiras.

Já a ALA e o funcionário responsável pela pedreira onde ocorreu o acidente falharam, segundo o Ministério Público, ao não proporem (no segundo caso) e adoptarem (no primeiro) “as medidas e disposições adequadas a garantir a segurança de todos os trabalhadores a prestar funções por sua conta na exploração da pedreira do Olival Grande/São Sebastião”.

Para os oito visados é proposta a medida de coacção de termo de identidade e residência, que já cumprem.

A pedreira Olival Grande/São Sebastião tem licença de exploração desde 3 de Maio de 1989. Pelo menos desde 1993 que existiam dúvidas sobre a segurança do local, uma vez que o plano de expansão de pedreira, que permitira a ligação à do Carrascal, não respeitou os limites até à EM 225 (na altura ainda estrada nacional, tendo passado, em parte, para a responsabilidade do município em 2005) então decretados pela DREAL – em vez dos 30 metros de distância, a pedreira ficou a apenas 27,5 metros.

O despacho refere que a 18 de Agosto de 1993 uma acção de fiscalização por técnicos da DREAL detectou que, além daquele incumprimento, estavam a ser colocados alicerces para construção de um muro de suporte a apenas dez metros de distância da estrada municipal, “para efeitos de continuar a exploração da pedreira, colocando os trabalhadores em perigo para a sua segurança”. Os trabalhos de construção do muro prolongaram-se até, pelo menos, 1996.

Em 2001,a DREAL recebeu um estudo em que estavam identificados – até através de fotografias – vários problemas de instabilidade do talude no local, “concluindo-se pela existência de grande instabilidade e risco de a zona poder ruir a qualquer momento, arrastando o troço da EM 255 confinante”, refere o despacho. Apontava-se como medida futura “o desvio desta via”.

Os perigos foram reiterados por novos relatórios, um dos quais ainda em 2001 que referia a possibilidade de “desmoronamento” da estrada, caso os trabalhos naquele local continuassem. E eles, como atestam outros documentos, continuaram.

Só em 2008 a DREAL pede à responsável pela pedreira para que comunique a solução encontrada para o talude perigoso, tal como fora solicitado sete anos antes, e lembrando que, sem esse plano, não eram permitidos trabalhos no local. Posteriormente, foram realizadas várias vistorias, sempre concluindo por incumprimentos, e chegaram aos serviços responsáveis pela fiscalização diversas denúncias sobre a continuação da actividade no talude adjacente à EM 255.

Apesar de ordens de paragem e ameaça de responsabilização, a situação arrastou-se e em 2014, numa reunião na Câmara de Borba, discutiram-se os perigos para a EM 255, tendo sido ponderado o encerramento do troço directamente afectado. A situação da estrada foi discutida em reuniões do executivo municipal, com o presidente a ser questionado sobre os perigos ali existentes. Várias informações da DREAL e também de empresas exploradoras de pedreiras na região são enviadas para a câmara, a dar conta dos perigos e preocupações.

A derrocada em Borba aconteceu a 19 de Novembro de 2018 e provocou a morte a dois trabalhadores da pedreira e a três pessoas que seguiam em viaturas que foram arrastadas para o fundo da estrutura, quando parte da estrada em que seguiam, entre Borba e Vila Viçosa, caiu.

As buscas pelos corpos prolongaram-se ao longo de treze dias. Os familiares das vítimas receberam, entretanto, cerca de 1,6 milhões de euros de indemnização assumidos pelo Estado. Contudo, ficou subjacente a possibilidade desse valor (ou parte dele) poder ser devolvido ao Estado, quando fossem identificados os responsáveis pelo acidente. Nesse sentido, no despacho agora conhecido determina-se a extracção de uma certidão integral do processo e o seu envio “à Procuradoria da República junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, para o competente exercício da acção de regresso [do valor adiantado] por parte do Estado”.

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