Presidente pode recorrer à objecção de consciência para não promulgar uma lei?

Constitucionalistas discordam: Paulo Otero defende que Marcelo deve fazê-lo, Reis Novais diz que é “um absurdo”.

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Marcelo Rebelo de Sousa diz que só se pronuncia sobre eutanásia "no último segundo" LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Pode o Presidente da República alegar objecção de consciência para não promulgar uma lei? A ideia foi lançada esta terça-feira na Rádio Renascença pelo constitucionalista católico Paulo Otero, mas é considerada “um absurdo” por outro professor de Direito Constitucional, Jorge Reis Novais.

“O Presidente da República não pode ser o único cidadão português que não tem direito à objecção de consciência”, pelo que “pode e deve utilizar a sua objecção de consciência para se recusar a promulgar esta lei”, defendeu Paulo Otero, numa entrevista dada a propósito do lançamento do seu livro Eutanásia, Constituição e Deontologia Médica.

Para este professor catedrático da Universidade de Lisboa, “o professor Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito Presidente da República e nunca escondeu a ninguém que era católico”, pelo que, na sua opinião, esta “é uma boa altura para ser coerente com os valores que professa”.

Paulo Otero indicou mesmo qual o caminho que entende que o Presidente da República deve seguir para evitar promulgar uma lei da eutanásia que venha a ser aprovada na Assembleia da República: pedir “a fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma junto do Tribunal Constitucional”, utilizar “o veto político, caso o Tribunal Constitucional não se pronuncie pela inconstitucionalidade”, e, por fim, “ainda que o Parlamento reaprove a eventual lei permitindo a eutanásia, (…) utilizar a sua objecção de consciência para se recusar a promulgar esta lei”.

“Um absurdo, uma ideia inconcebível”, contrapõe Jorge Reis Novais, professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. “A Constituição fixa as três modalidades ao dispor do Presidente da República” para decidir perante uma lei – o pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade, o veto ou a promulgação – “que preenchem todas as possibilidades”, defende Reis Novais. “Não fazer nada não é uma hipótese”, remata.

Reis Novais, que foi assessor jurídico do Presidente Jorge Sampaio, considera que a objecção de consciência é um direito fundamental, mas quando o chefe de Estado tem de decidir sobre uma lei, não está a desempenhar direitos fundamentais, mas “poderes funcionais constitucionalmente definidos”. “O Presidente da República pode recorrer à objecção de consciência na sua vida pessoal, mas não para deixar de exercer as suas funções constitucionais”, defende.

Para Jorge Reis Novais, o veto político serve precisamente para preencher os espaços de discordância do Presidente em relação a um diploma. Mas a Constituição prevê que o veto seja ultrapassável pelo Parlamento e, nesse caso, o chefe de Estado não tem alternativa senão promulgar o diploma.

“Antigamente é que havia o ‘veto de gaveta’, quando não havia prazos para promulgação e o Presidente podia adiar a decisão. Agora essas possibilidades já não existem”, sublinha.

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