Morte de criança vítima de mutilação genital feminina origina campanha de médicos no Egipto

Nada Hassan Abdel-Maqsoud, 12 anos, morreu na sequência de um procedimento de mutilação genital feminina, realizada por um médico sem especialização em cirurgia.

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A criminalização da mutilação genital feminina no Egipto não tem sido suficiente para travar a prática ARQUIVO

Um grupo de médicos no Egipto lançou uma campanha contra a mutilação genital feminina (MGF), depois da morte de uma rapariga de 12 anos, em Janeiro. Os médicos protestam sob o mote “Não queremos as nossas batas manchadas de sangue”.

Em Janeiro, as autoridades egípcias prenderam um médico reformado e não especializado em cirurgia, acusado de realizar mutilação genital feminina numa rapariga de 12 anos, que resultou na morte da criança. O homem foi preso, bem como os pais da rapariga. Foram, entretanto, libertados, mas as investigações continuam e vários activistas contra a mutilação genital feminina esperam que os três venham a ser julgados.

De acordo com a Human Rights Watch, a mutilação genital feminina é punível com até sete anos de prisão. A pena pode ser mais pesada e ir até aos 15 anos de prisão caso o procedimento resulte em deficiências permanentes ou na morte da vítima. Coagir alguém a ser submetido à mutilação também é punível com pena de prisão entre um e três anos. 

A mutilação genital feminina foi ilegalizada no Egipto em 2008, mas continua a ser uma prática recorrente87% das mulheres com idades entre os 15 e os 49 anos foram mutiladas, revelam dados da UNICEF.

Campanha “Batas Brancas”

A campanha de sensibilização “Batas Brancas” passou pela afixação de cartazes, com os slogans “Não à MGF” e “A MGF é um crime”, numa estação de metro no Cairo, onde médicos, envergando batas brancas, distribuíram panfletos que alertavam para os riscos da prática.

“Queremos passar a mensagem a outros médicos de que não queremos as nossas batas brancas manchadas de sangue, bem como aos cidadãos de que a medicina recusa esta prática”, disse a presidente da organização não-governamental União Contra Práticas Nefastas contra Mulheres e Crianças, Randa Fakhr El Deen, uma das organizadoras da campanha. 

Durante a acção no Cairo, os médicos foram confrontados por defensores da mutilação genital feminina. “É uma coisa religiosa, querem mudar a religião?”, argumentou um utente do metro, Ibrahim Hassan. “Vocês só ouvem o que o Ocidente diz”, rematou.

A mutilação genital feminina não tem qualquer base religiosa e não é ensinada nas faculdades de medicina do Egipto, esclareceu Randa Fakhr El Deen. 

“Alguns ultraconservadores não ficaram convencidos com aquilo que dissemos, mas nós iniciámos uma discussão com eles, refutámos os seus argumentos e respondemos às suas perguntas”, completou.

Erradicação até 2030 é objectivo mundial

Líderes mundiais têm feito promessas para erradicar a mutilação genital feminina até 2030: todos os membros das Nações Unidas aprovaram o plano de objectivos para o desenvolvimento sustentável, em 2015, através do qual se comprometeram a adoptar medidas para erradicar problemas relacionados com a desigualdade de género, como a mutilação genital feminina.

Ainda assim, vários activistas dizem que o ritual ancestral, que geralmente envolve a remoção parcial ou total da genitália exterior, continua profundamente enraizado em muitos locais. A prática pode causar problemas de saúde mentais e físicos persistentes, incluindo infecções crónicas, problemas menstruais, infertilidade e complicações na gravidez e parto.

O ritual é uma forma de controlar a sexualidade feminina, mas é muitas vezes justificado como tendo motivações culturais ou religiosas em sociedades conservadoras. 

Vários grupos de defesa dos direitos das mulheres e das crianças no Egipto dizem que a proibição do procedimento não é cumprida pelas autoridades e que grande parte da sociedade é permissiva no que toca à prática, que é feita tanto por cristãos como muçulmanos.

A maioria dos procedimentos são feitos por médicos e enfermeiros em clínicas privadas, e os restantes são feitos em casa, de acordo com o Estudo sobre a Demografia e Saúde no Egipto de 2014.

Texto editado por Pedro Rios

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