Caminhos opostos na União Africana

A organização criou um órgão que funcionará como ponto de intercambio entre “secretas” africanas, o que suscitou receios, uma vez que o principal orador na cerimónia da sua inauguração foi o ditador Obiang da Guiné Equatorial.

A 33ª. Sessão ordinária da Assembleia dos Chefes de Estado e Governo da União Africana (UA) terminou na segunda-feira em Adis Abeba, e agora a entidade começa a adaptar-se ao estilo do seu Presidente rotativo para o ano em curso, o sul-africano Cyril  Ramaphosa, que já anunciou intenções de convocar em maio uma cimeira sobre a Zona de livre troca continental.

Entretanto vão começar iniciativas tendentes a marcar maior presença da União Africana na resolução dos conflitos armados. Uma delas cobre quase todo o Sahel, constituindo atualmente a maior frente de combate ao terrorismo em todo o mundo. Os movimentos jiadistas têm revelado grande capacidade operativa transfronteiriça, com ataques a postos militares de diversos países. Um ataque muito recente na fronteira norte do Benim pode ter sido executado por um desses movimentos, embora ainda subsistam dúvidas. Mas se assim for, a área operacional ficaria muito ampliada.

Neste âmbito, a prioridade é dada à Líbia, onde vigora uma frágil trégua na batalha de Tripoli, opondo os dois governos líbios – o Governo Nacional reconhecido pela ONU e pela UA e o Governo provisório, sediado em Bengazi, apoiado no exército sob comando do marechal Khalifa Haftar e pelo vizinho Egito. Reuniões diversas permitiram promessas de transformar a trégua em cessar-fogo, com acordo político capaz de levar o país a eleições e novas instituições.

Além dos efeitos internos e sobre o Mediterrâneo, a instabilidade líbia incide ainda no Sahel, em virtude do quase vazio de autoridade no sul do país, transformado em base de retaguarda por grupos armados, tanto políticos como de delito comum.

No seu projeto de criar novo ambiente na Líbia, a União Africana introduz um elemento novo, há muitos anos reivindicado por forças contrárias aos diversos beligerantes que têm assolado África. Assim, o processo de aproximação e fixação da paz na Líbia incluiria lideranças comunitárias e movimentos não ligados aos dois campos em guerra.

Esta presença foi reivindicada ao longo dos anos por grupos ou personalidades em conflitos como de Angola, Libéria, Rrepública Democrática do Congo, Sudão, Moçambique, República Centrafricana, etc. Analistas referiram várias vezes a importância de tal presença no sentido de colocar a resolução dos conflitos em perspectiva democrática. Agora, a aceitação desse princípio na UA é vista como evolução importante, embora o monopólio dado até aqui aos responsáveis pelas guerras tenha feito o continente perder anos preciosos.

Dois outros elementos da 33ª. sessão ordinária continuam a suscitar comentários nos meios africanos que acompanham a entidade. O primeiro é a persistente dificuldade em implementar um esquema de financiamento redutor da grande dependência da UA das doações internacionais – superior a 70% - até para despesas elementares. Parece evidente que a dimensão atual é incompatível com os meios africanos disponíveis e, portanto, seria aconselhável dar-lhe estruturas mais reduzidas.

O outro elemento é que, apesar disso, foi criado um novo órgão interno, cujo eventual poder abrangente causa receios. Assim, após ter sido proposto em 2004, teve inauguração o Comité de Inteligência e Serviços de Segurança (CISSA), para recolha de informações sensíveis e funcionar como ponto de intercambio entre “secretas” africanas. Os receios aumentaram na medida em que o principal orador na cerimónia inaugural do CISSA, oficialmente designado, foi o ditador Obiang da Guiné Equatorial. 

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