Dia “histórico” para a animação portuguesa: curta de Regina Pessoa vence Prémios Annie

É a primeira vez que um filme português é distinguido pelos prémios da associação de animação americana. Em Los Angeles, os Annie premiaram ainda o trabalho técnico do animador português Sérgio Martins num filme espanhol.

"Trailer" de "Tio Tomás, a Contabilidade dos Dias"

O filme Tio Tomás, a Contabilidade dos Dias, da realizadora portuguesa Regina Pessoa, venceu a corrida para o galardão de melhor curta-metragem nos prémios Annie, este sábado à noite, em Los Angeles. O grande vencedor foi o filme Klaus, do realizador espanhol Sergio Pablos, alcançando sete distinções, entre as quais a de Melhor Filme – o português Sérgio Martins recebeu o prémio pela Melhor Direcção de Personagens em Longa-Metragem pelo seu trabalho técnico. 

“Estou aqui com o Abi [Feijó], meu produtor, meu companheiro, e naturalmente estamos muito contentes”, comentou ao telefone a realizadora ao PÚBLICO, acabada de acordar em Los Angeles. “É importante porque é a primeira vez que um filme português ganha este prémio. É mais uma etapa de um terreno que os portugueses vão pouco a pouco desbravando.”

Na sua página no Facebook, depois da cerimónia que decorreu durante a madrugada portuguesa no Royce Hall, no campus da UCLA , Regina Pessoa descreveu o prémio como “mais um capítulo importante na história da animação portuguesa”, acrescentando que o partilhava com Abi Feijó – “o meu maior cúmplice”.

Considerados os mais importantes prémios norte-americanos do cinema de animação, a realizadora de 50 anos já tinha visto um filme seu nomeado para os Annie Awards - Kali, o Pequeno Vampiro chegou à cerimónia final de Hollywood em 2013. Os Annie, que distinguem curtas e longas-metragens, são atribuídos anualmente pela Sociedade Internacional de Cinema de Animação. 

Na 47.ª cerimónia de entrega dos prémios Annie, estava ainda nomeado a curta portuguesa Purpleboy, de Alexandre Siqueira. Na categoria em que venceu Regina Pessoa, concorreram ainda os filmes Acid RainDont Know What Le Sors Acheter des Cigarettes.

Com uma matriz assumidamente analógica, vinda do desenho à mão, Tio Tomás, a Contabilidade dos Dias parte do universo da infância de Regina Pessoa, tal como as três obras anteriores. É uma produção da Ciclope Filmes de Abi Feijó, numa parceria internacional com a Office National du Film (Canadá), Les Armateurs (França) e tem ainda o inglês Phil Davies como produtor associado.

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A realizadora Regina Pessoa ao receber o prémio em Los Angeles Annie Awards

Com 13 minutos de duração, o filme conta a história de uma menina a quem Tomás ensina a desenhar numa parede de cal com um pedaço de madeira queimada retirado da lareira. A preto e branco, com alguns apontamentos de vermelho, é feito em gravura animada, recorrendo igualmente ao stop motion e a técnicas digitais, uma vez que a realizadora começou a trabalhar directamente em computador a partir de 2012.

“Vivi numa família disfuncional e a minha referência era uma série de adultos um pouco fora do comum. Eu não escolhi essa família, era a minha, e essa série de personagens um pouco excêntricas acabaram por ser os meus modelos de adulto”, explicou ao PÚBLICO sobre este filme que é um tributo ao seu tio Tomás, com quem aprendeu a desenhar, e que teve a sua estreia mundial em Lisboa em Março passado. “Com o tempo, percebi que esses adultos não eram iguais aos outros membros da comunidade e aprendi a gostar deles assim. De certa, forma é por essa razão por que faço o filme: foi importante exprimir que não tem que se ser um exemplo na sociedade e fazer algo de extraordinário para se ser importante na vida de alguém.”

Com Tio Tomás, a Contabilidade dos Dias, a realizadora que passou a infância numa aldeia próxima de Cantanhede queria mostrar que as pessoas anónimas podem ter uma importância excepcional nas nossas vidas. 

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Imagem do filme Tio Tomás, a Contabilidade dos Dias

Desde a estreia internacional em Junho na Croácia, o filme foi já distinguido no festival de cinema de Annecy, em França, com o prémio especial do júri, no festival Animamundi, no Brasil, ou nos Caminhos do Cinema Português, em Coimbra. Foi também candidato às nomeações para os Óscares, mas ao contrário do filme de Sergio Pablos não entrou na shortlist da cerimónia que vai decorrer a 9 de Fevereiro no Dolby Theatre, também em Los Angeles.

Depois de quatro filmes que conquistaram vários prémios nos mais importantes festivais do mundo da animação e que a afirmaram como um dos nomes de referência neste domínio na Europa, Regina Pessoa vê agora reconhecida também na América e em Hollywood a sua arte e o traço inconfundível do seu cinema. Falha a nomeação para os Óscares, apesar de já ter estado perto deles por duas vezes, mas à segunda nomeação conseguiu a vitória nos Annie Awards, que são uma espécie de prémio alternativo à estatueta de Hollywood para o universo da animação.

A longa-metragem que valeu ao português Sérgio Martins a distinção na categoria de Melhor Direcção de Personagens pelo seu trabalho técnico é produzida pela espanhola SPA Studios (em colaboração com a Atresmedia) e está disponível na plataforma Netflix. O filme explora o mito do Pai Natal através da história de um carteiro que vai viver para uma aldeia isolada. 

O filme do realizador espanhol Sergio Pablos ganhou em todas as categorias para que estava nomeado, entre a quais a de Melhor Filme, para a qual também estavam apontados Frozen 2, da Disney, Como Treinar o seu Dragão: O Mundo Secreto, da DreamWorks, Missing Link, da Laika e LLC, e ainda Toy Story 4, da Pixar. Nesta produção, trabalhou ainda Edgar Martins, irmão de Sérgio Martins, no departamento de argumento, igualmente distinguido pelos prémios. 

Sergio Pablos vai disputar o Óscar para Melhor Filme de Animação com Como Treinar o seu Dragão 3, Toy Story 4, I Lost My Body e Missing Link

Artigo actualizado às 19h15 com declarações da realizadora

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