Sadio Mané, a maior riqueza do futebol africano

No Liverpool, o senegalês passou da sombra de Salah para deixar Salah na sombra. Passou de útil a essencial. Passou de um dos melhores a melhor. A partir desta terça-feira, com o prémio de melhor jogador africano, África é dele. Finalmente.

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Mané festeja um golo pelo Liverpool. LUSA/PETER POWELL
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Mané na gala desta terça-feira DR

Ficou longe à primeira tentativa, em 2016, “cheirou” o prémio à segunda, em 2017, e voltou a “bater na trave” à terceira, em 2018. Nesta terça-feira, à quarta tentativa, Sadio Mané tornou-se, finalmente, o rei de África. Aos 27 anos, o jogador senegalês foi eleito o futebolista africano do ano 2019, superando a concorrência de Mohamed Salah, companheiro de equipa no Liverpool, e Ryad Mahrez, argelino do Manchester City. E esta é uma coroação longe de ser apenas futebolística, já que os africanos ansiavam, há três anos, fazer este agradecimento supremo a Mané.

Em Money, Money, Money, os ABBA falam do uso do dinheiro. Com “Mané", o uso do money é parte da narrativa do que o tem tornado especial no seu continente. O jogador tem sido apontado como avesso a qualquer tipo de luxo, profundamente religioso e exclusivamente benemérito, mas, apesar de essas notícias e declarações virais serem falsas e de Mané ter os seus luxos, o altruísmo do jogador é real: não abdica de, mensalmente, apoiar causas humanitárias em África, sobretudo em regiões pobres do Senegal, como aquela de onde veio.

Assim, África acaba de coroar, futebolisticamente, um filho da terra que não esquece as origens. Para os africanos, é o agradecimento supremo e o prémio certo nas mãos certas.

Tudo passo a passo, como “mandam os livros”

Ainda criança, Mané foi proibido pelo pai de jogar futebol. Mas, em 2002, quando o Senegal se apresentou ao mundo no Mundial da Coreia e do Japão, o jovem senegalês viu que era aquilo que queria para si. E fugiu. Fugiu da aldeia onde vivia e foi até Dakar, mostrar-se a um clube da capital. A família, sem saber do adolescente, estava preocupada e, quando o encontrou, obrigou-o a voltar. Só na maioridade pôde ir, então, para a capital jogar futebol, começando muito tarde o seu percurso. 

A partir daqui, tudo foi feito de forma perfeita e se existe, nos desportos colectivos, um conceito para a carreira perfeita de um atleta, Sadio Mané pode bem ser um bom candidato a esse prémio.

Começou no Génération Foot, do seu país, como deve ser. Despertou o interesse europeu, viajou e começou por um clube modesto, como deve ser. Depois de um ano no Metz, subiu para um clube um pouco melhor, como deve ser. No RB Salzburgo, fez dois bons anos e subiu para um campeonato melhor, como deve ser. No Southampton, voltou a impressionar e, em dois anos, carimbou o passaporte para um “tubarão” europeu. Tudo foi feito como deve ser, passo a passo. E, passo a passo, Mané cresceu.

Nos últimos anos, em Inglaterra, sobretudo com Jürgen Klopp, no Liverpool, Sadio Mané passou de um extremo rápido, tecnicista e tímido – tanto na personalidade como na forma como (não) assumia responsabilidades no jogo da equipa – a um jogador-chave, finalizador de excelência e “abre-latas” para os momentos difíceis. Passou da sombra de Salah para deixar Salah na sombra. Passou de útil a essencial. Passou de um dos melhores a melhor. África é dele e o Liverpool não vive sem ele.

Todos os caminhos iam dar a Mané

Diz-se que o emergir de Mané, em 2019, tem relação de causalidade com alguma perda de protagonismo de Salah. É difícil negá-lo, mesmo numa equipa tão colectiva como o Liverpool, mas esta troca de protagonismo parece ter mais que ver com o aumento do de Mané (34 golos e 12 assistências em 2019), do que com a perda dele em Salah (26 golos e 19 assistências).

Como em todas as distinções individuais em desportos de equipa, existiu discussão em torno da ponderação a atribuir ao “triângulo” entre conquistas colectivas, estatísticas individuais e peso específico na equipa. Mas, neste ano, no prémio africano, este triângulo de análise levou a um só caminho: Sadio Mané.

A comparação com Salah foi, logo à partida, uma formalidade. Individualmente, Mané pareceu ser sempre mais capaz de participar, desbloquear e decidir os jogos do Liverpool – e as estatísticas comprovam-no. Colectivamente, jogando ambos no Liverpool, venceram os mesmos títulos de equipas – Liga dos Campeões, Mundial de Clubes e Supertaça Europeia. Em matéria de selecções, caso fosse preciso desempatar, Mané conduziu o Senegal à final da CAN, enquanto Salah foi eliminado bem mais cedo na competição. Discussão encerrada.

A disputa tornou-se, então, com Ryad Mahrez. Individualmente, o argelino não foi mais impressionante do que Mané, até pela desvantagem de jogar num Manchester City no qual, competindo com Bernardo Silva, não tem titularidade garantida, ao contrário de Mané no Liverpool.

O problema, para o senegalês, poderia ser que Mahrez não só o superou na Liga inglesa, sendo campeão, como – e sobretudo – o bateu na maior competição africana: a Argélia venceu o Senegal na final da CAN. Mas poucos ousaram considerar que o campeão de África tem mais valor do que o campeão da Europa e do mundo. Assim, todos os caminhos foram dar a Sadio Mané.

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