Uma história nunca antes contada

Trinta anos depois, aqui fica o registo de missão cumprida, e do contributo português para a liberdade, a democracia e a paz na Europa, agora que todos juntos somos família na União Europeia e defendemos tantos valores comuns!

Há 30 anos, por esta altura, desmoronavam-se as ditaduras do antigo Pacto de Varsóvia. No Portugal democrático saído do 25 de Abril e do 25 de Novembro, surgia o Comité de Solidariedade com os Movimentos Democráticos do Leste Europeu, constituído por jovens de várias tendências e unidos pelo cimento agregador da Liberdade.

Entre as várias acções que então levámos a cabo, esteve uma operação de recolha de mantimentos para apoiar os resistentes à ditadura na Roménia, durante os sangrentos acontecimentos que ocorreram no final de 1989 e que tiveram o seu epicentro em Timissoara.

A época natalícia, e as imagens dramáticas que se iam recebendo, impeliram-nos a qualquer coisa fazer para nos mostrarmos presentes naquele momento crítico e que se veio a mostrar histórico. Os portugueses responderam de imediato ao nosso apelo para a recolha das mais diversas coisas com que pudéssemos ajudar o povo romeno.

Mas surgiu o problema de como fazer a entrega da grande quantidade de material que cidadãos e empresas nos confiaram.

Garantir os meios logísticos para semelhante empreitada, saltando para o centro de uma guerra civil para lá da Cortina de Ferro, não foi empreitada fácil.

Foi precisa muita criatividade e arrojo de uns e outros, e o desenho de uma narrativa de legitimação da missão, recorrendo a uma certa institucionalização viabilizadora da acção.

Era indispensável o envolvimento da Força Aérea Portuguesa para colocarmos no terreno o resultado da nossa solidariedade, mas tal parecia ser impossível, dada a situação político-militar na Roménia.

Serviu eu conhecer o general Carrilho Ribeiro (professor e médico gastroenterologista que tinha encontrado quando prestei serviço militar), e que era à época presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, e ter vindo a ser essa a capa institucional aparente da missão, que nos permitiu convencer o então ministro da defesa, Eng. Eurico de Melo, a disponibilizar a aviação militar portuguesa para o empreendimento da sociedade civil do país mais ocidental da Europa e o mais longínquo daquele teatro de operações.

Quando a missão saiu de Lisboa não tínhamos sequer autorização para aterrar na Roménia! Mas o facto é que lá conseguimos chegar e lá descarregamos, mas não se levantou voo de seguida conforme previsto. O impulso revolucionário levou a sair do aeroporto (usando uma ambulância...), obrigando os militares a uma espera imprevista e forçada, e a sair, no meio das escaramuças, à procura dos lideres da Revolução! E conseguiu-se!

No pico do inverno, e sem água nem aquecimento na capital romena, Miguel Rodrigues Pereira, cuja coragem aqui agradeço e reconheço, conseguiu colocar ao telefone o líder estudantil que na rua lutava contra o regime ditatorial, a falar ao telefone com o Presidente português, e tal foi directo na TV romena e primeira página de jornal em Bucareste porque Soares foi o primeiro chefe de Estado estrangeiro a contactar os insurrectos democráticos!

Foi o momento de Portugal liderar a presença do mundo livre na Revolução da Roménia, como dias antes tinha acontecido na Checoslováquia com as 50.000 rosas portuguesas que lá levamos e o carro português por nós oferecido com que Havel tomou posse!

Tempos irrepetíveis de que muito nos orgulhamos.

30 anos depois, aqui fica o registo de missão cumprida, e do contributo português para a liberdade, a democracia e a paz na Europa, agora que todos juntos somos família na União Europeia e defendemos tantos valores comuns!

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