Quarentona, solteira e sem filhos?

Na infância, a longínqua idade das quatro décadas era sinónimo de meia-idade (ainda é – realismo acima de tudo!), de uma vida estável, segura, fértil (demograficamente falando) e em família. Os preconceitos aliados aos protótipos do suposto bom viver.

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Artem Kovalev/Unsplash

Acabo de dar 39 voltas ao Sol. Sou solteira e não tenho filhos. E agora?

A excomunhão social, felizmente, há muito perdeu a validade. Pelo menos no meu dicionário. Mas, tendo nascido num parto, inesperadamente, gemelar, quer eu quer a minha irmã sempre fomos “vítimas” da inevitável comparação directa.

O escrutínio começou em Dezembro de 1980 e prolonga-se até aos nossos dias. Sem julgamentos, uma vez que a naturalidade desta comparação é a minha realidade e sempre será. Não sei o que é não ser gémea. Mas sei o que é não ser mãe. Nem casada. Com 39 anos. Adivinha-se facilmente que essa não é a realidade da Sara (assim se chama a minha gémea). Contribuiu para as estatísticas, quer dos casamentos quer da natalidade. Deu-me dois sobrinhos incríveis (a juntar ao terceiro, filho da minha irmã mais velha). Dádiva essa que, possivelmente, levou ao congelamento do meu relógio biológico. Preenchem-me de tal forma essa alegada lacuna maternal que, como já admiti publicamente, não quero ser mãe. Uma vontade perpetuada no tempo, já desde a adolescência. O que não invalida que, daqui a cinco anos, me arrependa amargamente dos desejos actuais. A isto chama-se viver.

Na infância, a longínqua idade das quatro décadas era sinónimo de meia-idade (ainda é – realismo acima de tudo!), de uma vida estável, segura, fértil (demograficamente falando) e em família. Os preconceitos aliados aos protótipos do suposto bom viver. Estávamos nos maravilhosos anos 80 do século XX. Em casa, testemunhava este cenário na primeira pessoa. Um filme com o ainda happy ending, uma vez que os meus pais vivem um casamento feliz há quase meio século. Entrada feita na máquina do tempo, cá cheguei com uma rapidez alucinante, sem passar pela casa da partida, pela igreja ou pela maternidade. Mas cheia de projectos, experiências e concretizações que passam por outros trilhos e opções.

Poderá pensar-se que estas palavras ocultam uma necessidade latente de casar e de ter filhos. É válido que este argumento ganhe vida. Um dia até poderá ser verdade. O argumento, não a concretização. A minha bola de cristal, neste momento, está avariada. Mas esta crónica tem outro objectivo, se me é permitida tamanha ousadia: mostrar a outras pessoas que vivem esta “minha” realidade que chegar aos 40 anos de idade, sem filhos e sem um casamento, é tão válido como fazê-lo. E, acima de tudo, não é um drama. É uma escolha, como outra qualquer.

Nunca o tema liberdade esteve tanto na ordem do dia. No lado diametralmente oposto, o auto-escrutínio ganhou terreno numa censura mais papista do que os cânones desta sociedade de exposição total. Na projecção do outro e no reflexo de nós mesmos, parece valer, cada vez mais, o que nos mostram e não o que realmente somos. Mas o menos será sempre mais.

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