Os Influenciadores e o valor da parvoíce

“Os influenciadores” constitui, hoje, uma designação que se aplica, genericamente, aos promotores digitais da futilidade, da vacuidade intelectual e, cada vez mais, da parvoíce.

Escrevi aqui mesmo, há pouco tempo, acerca da estranheza que me assalta, quando me dou conta de que valores fundamentais, como a humildade e a ingenuidade, se converteram em parvoíce. Ora se os valores se tornaram uma parvoíce, o correlato previsível seria sempre este do crescente valor da parvoíce.

E o exemplo perfeito deste novo valor da parvoíce está na proeminência e relevância dessa fascinante categoria que é a dos influencers (passarei a utilizar a expressão portuguesa, menos glamorosa e cosmopolita talvez, de influenciadores).

E estes influenciadores representam, na verdade, a consagração da generalizada preguiça de pensar, escolher e assumir as escolhas.

E constituem, sobretudo, o resultado da vontade de massificação dos gostos, dos consumos e das opiniões e de uma homogeneização acrítica das sociedades.

Senão vejamos: no conceito, o influenciador não constitui, exactamente, uma novidade. Afinal que outra coisa foram, desde sempre, os grandes filósofos, os grandes artistas, os grandes teólogos e os grandes estadistas, que não influenciadores?

E influenciaram, de facto, modelos culturais, éticos, estéticos e de organização social. Modelos que, por inovadores, foram criticados, debatidos e combatidos, mas que estruturaram e reestruturaram civilizações.

E, por mais distintos ou mesmo antagónicos que fossem, partilhavam uma característica, estes influenciadores, que era a de possuírem substância, consistência e essência.

E foi isso que interpelou os seus contemporâneos, obrigando-os a pensar, a escolher, a criticar, a tomar posição.

Estes influenciadores “tradicionais”, a quem nunca ninguém atribuiu tal epíteto categorial (para bem da sua honra e do seu descanso eterno), que moldaram e mudaram a História e promoveram desenvolvimento social, são, na actualidade, substituídos por uma profusão de criaturas – estas sim epitetadas como influenciadoras – que apelam precisamente ao contrário: ao mimetismo, ao seguidismo, à subserviência, à recusa do questionamento, do pensamento e da escolha.

Os influenciadores” constitui, hoje, uma designação que se aplica, genericamente, aos promotores digitais da futilidade, da vacuidade intelectual e, cada vez mais, da parvoíce.

Vemo-nos, como tal, confrontados com uma profusão de influenciadores que, seguramente bem-intencionados, pretendem facilitar-nos a vida, poupando-nos a esse sempre maçador acto do discernimento.

E note-se que esta generosa vontade de facilitação das nossas vidas se estende às mais variadas e relevantíssimas áreas:

Assim, ao mostrarem-nos as mochilas que as suas encantadoras criancinhas transportam a caminho da escola, sugerem que nos apressemos a comprar umas exactamente iguais, para que possamos usufruir, também nós, desse imenso privilégio que é o de contemplar as nossas crias, plenas de riso e animação matinal, preparadas para arquivar, nas ditas mochilas, todo o esplendoroso saber que a escola lhes há-de transmitir…

E ao fotografarem-se impecavelmente paramentadas, numa qualquer calçada de Lisboa (o que, estranhamente, evoca em mim a sobreposição de uma cena do Sexo e a Cidade com outra do Pátio das Cantigas) e equilibrando os seus delicados pés nuns saltos finos e altíssimos, não se limitam a aconselhar-nos a comprar atavios semelhantes aos fotografados, como, desconfio, aproveitam para nos sugerir que sejamos pessoas prudentes e avisadas, e que contratualizemos um bom seguro de saúde, com elevado plafond para os cuidados de ortopedia, dado que será quase inevitável a urgente necessidade desses mesmos cuidados, logo após a nossa primeira tentativa de dar um passo sobre os fotografados sapatos…

Ou, num sempre salutar esforço de apelo aos valores da partilha e da união familiares, deliciam-nos com as imagens da “fantástica” decoração da mesa, devidamente guarnecida com salgadinhos em miniatura, comprados num pronto-a-comer “fino”, com que abrilhantaram os festejos de aniversário do tio-avô octogenário, com o bónus suplementar de uma carinhosa fotografia da influenciadora, pendurada ao pescoço do homenageado que, certamente comovido perante tamanha magnificência, mira a câmara num espanto de aborígene…

E por fim, numa sugestão de revolta anti-consumo, de desprendimento ou, simplesmente, de formas de enganar as companhias seguradoras, aconselhando-nos (com a devida ilustração) dez técnicas infalíveis para destruir um telemóvel...

São, realmente, um notável prodígio de vazio, as influências destes influenciadores!

E repare-se que os exemplos apresentados são, apenas, o produto de uma pesquisa sumaríssima pelo extraordinário universo dos influenciadores digitais, concretamente, de populares blogues femininos e de “youtubers” venerados pelos adolescentes.

Prefiro, portanto, não imaginar quais poderiam ser as “descobertas” de uma investigação mais prolongada e metódica pelo dito universo, mas estou em crer que os seus efeitos, no meu cérebro, conseguiriam ser mais poderosos que os de uma lobotomia…

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