Bebé nasceu sem parte do rosto. Há muitos médicos a fazer ecografias sem “competência”

O alerta é do presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia, que não quis comentar o caso particular do bebé que nasceu no Hospital de Setúbal com malformações graves.

Foto
Rui Gaudêncio

O presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia lamenta que haja muitos médicos a fazer ecografias a grávidas sem a devida competência, lembrando que ter a especialidade de obstetrícia não é suficiente para realizar ecografias obstétricas.

“Infelizmente há muitos colegas meus a fazerem ecografia, nomeadamente morfológica – que diagnostica malformações e que não têm competência para isso. Isso não é uma competência adquirida pelo facto de ter a especialidade, é pós-graduada em relação à especialidade”, afirmou o médico obstetra e presidente da Sociedade, Luís Graça, em declarações à agência Lusa.

Luís Graça escusou-se a comentar o caso concreto esta quinta-feira noticiado pelo Correio da Manhã sobre o bebé que nasceu em Setúbal este mês sem olhos, nariz e parte do crânio, uma vez que desconhece a situação.

Contudo, o presidente da Sociedade de Obstetrícia indica que um bebé sem olhos, nariz e parte do crânio deveria ser identificável numa ecografia.

Ainda assim, Luís Graça defende que a Ordem dos Médicos devia criar, dentro do colégio de ginecologia e obstetrícia, uma competência específica para a ecografia obstétrica, nomeadamente a morfológica, que deve ser feita no segundo trimestre, pelas 20 ou 22 semanas de gestação.

Luís Graça presidiu ao colégio de obstetrícia da Ordem entre 2000 e 2009 e afirma ter tentado a criação dessa competência, mas o assunto exigia consenso entre a especialidade de obstetrícia e a área da radiologia, o que acabou por não ocorrer.

“Há muitos colegas meus que têm a especialidade e não têm verdadeiramente competência para realizar ecografias obstétricas, sobretudo morfológicas. Eu próprio não tenho e por isso socorro-me de colegas que têm e trabalham comigo”, afirmou à Lusa.

Ainda sem se referir ao caso noticiado pelo Correio da Manhã, Luís Graça recorda que as malformações “mais grosseiras” ou evidentes podem ser detectadas antes da ecografia morfológica, ou seja, na ecografia que costuma ser realizada por volta das 12 semanas de gravidez.

A ecografia que se realiza no primeiro trimestre de gravidez avalia a viabilidade do feto, a sua frequência cardíaca e estudo a anatomia externa e interna de forma básica. É nesta ecografia que são avaliados marcadores como a translucência da nuca ou os ossos do nariz e que, em conjunto com mais exames, permite ter um cálculo de risco de anomalias de cromossomas.

Na ecografia morfológica, são feitas avaliações mais rigorosas da anatomia com objectivo de detectar eventuais malformações congénitas.

O obstetra que não detectou malformações graves num bebé que acabou por nascer sem rosto no início deste mês, em Setúbal, tem quatro processos em curso no conselho disciplinar da Ordem dos Médicos.

A informação foi dada à agência Lusa por fonte oficial da Ordem na sequência da notícia do jornal Correio da Manhã, que conta que no dia 7 de Outubro nasceu no Hospital de São Bernardo um bebé sem olhos, nariz e parte do crânio, depois de a mãe ter realizado ecografias com um obstetra que seguia a mãe numa clínica privada em Setúbal.

Segundo a Ordem, o médico em causa tem quatro processos em instrução no conselho disciplinar sul da Ordem.

De acordo com o Correio da Manhã, os pais do bebé fizeram três ecografias com o médico em causa, sem que lhes tivesse sido reportada qualquer malformação. Só num exame feito noutra clínica, uma ecografia 5D, os pais foram avisados para a possibilidade de haver malformações. Questionaram o médico que os seguia, que lhes garantiu que estava tudo bem, conta o jornal, citando a madrinha do bebé.

O bebé, chamado Rodrigo, completa esta quinta-feira dez dias, apesar de o prognóstico inicial lhe dar apenas algumas horas de vida.

As complicações só foram detectadas depois do parto e os pais apresentaram queixa ao Ministério Publico.

O médico em causa, Artur Carvalho, trabalha no Hospital São Bernardo, em Setúbal, e numa clínica privada que fica junto à unidade hospitalar. O Ministério Público já tinha investigado o médico, num processo de 2011, num caso de contornos semelhantes de malformações, caso que acabou arquivado.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários