A Psicologia como ciência

O cepticismo em relação ao estatuto científico da Psicologia não é algo recente, como também não o é a insegurança dos psicólogos relativamente à forma como o público geral pensa sobre a profissão.

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O bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses referiu, em algumas entrevistas, que o estigma em torno da saúde mental pode impedir as pessoas de recorrerem a um psicólogo. Contudo, ao pensar sobre algumas experiências pessoais, coloquei a hipótese de existir um outro impeditivo: a credibilidade da Psicologia como ciência. Depois de ler literatura científica sobre o assunto descobri que o cepticismo em relação ao estatuto científico da Psicologia não é algo recente, como também não o é a insegurança dos psicólogos relativamente à forma como o público geral pensa sobre a profissão. Efectivamente, as evidências provindas de investigações e inquéritos sugerem que as dúvidas do público geral quanto ao estatuto científico da Psicologia estão relativamente difundidas. Posto isto, importa explicar porque é que a Psicologia é uma ciência.

A investigação científica em Psicologia pode ter uma metodologia quantitativa ou qualitativa. Na abordagem quantitativa, os dados da amostra apresentam-se em forma de números (dados obtidos através de questionários com respostas, numa escala de 0 a 4) e são utilizados testes estatísticos na análise dos dados. Os testes estatísticos permitem-nos concluir com recurso a probabilidades estatísticas se os resultados de uma amostra estão, ou não, presentes na população-alvo. Sabem que outras áreas científicas utilizam a estatística para formular conclusões? A Medicina, Física, Genética, Química, Engenharia… A lista continua. Entramos em contacto com probabilidades estatísticas quando tomamos medicamentos, recebemos prognósticos médicos ou participamos em intervenções psicológicas, por exemplo.

A abordagem qualitativa é mais utilizada pelas ciências sociais e tem como objectivo permitir uma compreensão mais aprofundada de atributos da experiência humana. Os dados da amostra têm uma apresentação não-numérica (os dados de entrevistas têm formato de texto) e podem ser analisados de várias maneiras. As duas metodologias complementam-se entre si, trazendo diferentes contributos.

Sim, a Psicologia é uma ciência com incertezas. Mas a incerteza também está presente noutras áreas científicas. Num artigo intitulado A Procura da Verdade na Física pode ler-se: “Alguns [físicos] acham o que estudam excessivamente matemático; outros consideram-no matematicamente desleixado. A verdade pode ser evasiva mesmo nas teorias mais bem estabelecidas. A teoria quântica está bem testada, mas a sua interpretação permanece inescrutável (...). A matemática da teoria quântica mistura elementos subjectivos e objectivos”. Outro exemplo é o da recente invalidação da teoria distinguida com o Prémio Nobel da Química em 1956.

E sim, a Psicologia é relevante. É relevante porque os estudos demonstram a eficácia da intervenção psicológica, como também apontam para o seu potencial na redução de custos relacionados com a utilização de cuidados de saúde, tanto directos (consumo de fármacos) como indirectos (redução dos encargos do Estado quanto aos benefícios fiscais do doente). É relevante porque pode contribuir para a prevenção de acidentes mortais na infância. É relevante porque a versão portuguesa de um protocolo que objectiva a obtenção de informação de crianças alegadamente vítimas de abuso sexual foi validada e é implementada por psicólogos. É relevante porque quem ganhou o Prémio Nobel da Economia em 2002 foi um psicólogo. É relevante por muitas outras razões, associadas a melhorias de práticas e políticas e a mais saúde (incluindo bem-estar).

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