Eleição de deputadas afrodescendentes com significado diferente para PS, BE e Livre

Foi o voto em Joacine Moreira e no Livre que concentrou a luta pelo reconhecimento dos direitos da comunidade afrodescendente, diz politólogo António Costa Pinto. As três novas deputadas assumem “uma pauta específica, anti-racista”, acrescenta Inocência Mata.

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Joacine Katar Moreira foi eleita pelo Livre LUSA/RODRIGO ANTUNES

Três mulheres negras vão entrar no Parlamento dentro de 15 dias: Joacine Katar Moreira foi eleita como cabeça de lista pelo Livre, Beatriz Gomes Dias apresentou-se em 3.º lugar na lista de deputados do Bloco de Esquerda e Romualda Fernandes estava no 19 .º lugar do PS. A primeira, 37 anos, é investigadora no ISCTE e fundadora do Instituto da Mulher Negra em Portugal (INMUNE). A segunda, 48 anos, com uma carreira de professora de Biologia no ensino secundário, é fundadora da Djass – Associação de Afrodescendentes. A terceira, 65 anos, jurista, integra a direcção do Alto Comissariado para as Migrações.

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Três mulheres negras vão entrar no Parlamento dentro de 15 dias: Joacine Katar Moreira foi eleita como cabeça de lista pelo Livre, Beatriz Gomes Dias apresentou-se em 3.º lugar na lista de deputados do Bloco de Esquerda e Romualda Fernandes estava no 19 .º lugar do PS. A primeira, 37 anos, é investigadora no ISCTE e fundadora do Instituto da Mulher Negra em Portugal (INMUNE). A segunda, 48 anos, com uma carreira de professora de Biologia no ensino secundário, é fundadora da Djass – Associação de Afrodescendentes. A terceira, 65 anos, jurista, integra a direcção do Alto Comissariado para as Migrações.

Foi uma noite de eleições legislativas “histórica”, “inédita”, “simbólica”, “importante”, dizem politólogos, historiadores, políticos, activistas e afrodescendentes ouvidos pelo PÚBLICO.

O politólogo António Costa Pinto considera que tem um significado diferente para os três partidos. “Para o PS, o principal partido de centro-esquerda, é um elemento de continuidade, porque já tinha tido deputados afro-portugueses como Fernando Ká e Celeste Correia, embora o primeiro tivesse um perfil mais activista”, explica. “Agora, ao escolher uma mulher afro-portuguesa negra, o PS dá uma muito maior atenção àquilo que têm sido, fundamentalmente, as causas dos pequenos partidos à esquerda, o Bloco de Esquerda e o Livre, e ao debate na esfera pública nos últimos anos em Portugal: políticas identitárias, políticas de reconhecimento de minorias e políticas, evidentemente, de igualdade de género associadas às minorias étnico-culturais.”

Para Costa Pinto foi o voto em Joacine Moreira e no Livre que concentrou a luta pelo reconhecimento dos direitos da comunidade afrodescendente: “Simbolizou de forma marcante o activismo afrodescendente cruzado com as dinâmicas de género. Este podia estar representado na Beatriz Gomes Dias do BE, sem sombra de dúvida, mas ficaria dissolvido no âmbito de um partido que já é consagrado no sistema partidário português. Era uma entre as muitas causas do BE. No caso da Joacine, ela protagonizou fundamentalmente essa causa. Foi isso que este nicho de eleitores quis destacar no voto no Livre.”

Inocência Mata, a única professora negra na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, diz que este vai ser um Parlamento “inédito, original e histórico”. As três novas deputadas assumem “uma pauta específica, anti-racista”, muito diferente, acrescenta Inocência Mata, da posição assumida pelo deputado Hélder Amaral, o único afrodescendente que integrava o Parlamento anterior e que não conseguiu ser eleito este domingo pela lista de Viseu do CDS-PP. “Não são as primeiras não-brancas que estão no Parlamento, mas são aquelas que estão aí conscientes de pertencerem a um segmento da população que é invisibilizado através da não-representatividade.”

As três deputadas vão trazer para os seus partidos e para o Parlamento assuntos que até agora não eram vistos como prementes. “Por exemplo, considero urgente que os manuais escolares reflictam na sua terminologia uma educação pela diversidade. No século XXI, ainda se ensinam as crianças nas creches, como aconteceu com o meu filho, que há uma ‘cor de pele’.”

Para o politólogo André Freire, esta é uma boa notícia: “Somos um país que teve colónias, com uma presença importante de comunidades afrodescendentes que até hoje não estavam presentes no Parlamento”. Diz que é simbólico, “porque são comunidades que historicamente foram discriminadas.” A sua presença pode fazer a diferença na discussão de temas que afectam essas comunidades, quando não houver orientações ideológicas dos partidos que vão em sentido contrário, acrescenta. 

Faltavam estas caras

Paulo Mendes, cabo-verdiano com nacionalidade portuguesa que vive nos Açores e dirigiu a Plataforma das Estruturas Representativas das Comunidades de Imigrantes em Portugal (PERCIP), activa entre 2007 e 2013, afirma que “a democracia portuguesa sai destas eleições mais rica e mais plural, dando suporte ao que hoje é a sociedade portuguesa”. Lembra que essa invisibilidade política foi corrigida pelos instrumentos democráticos e sem recurso a quotas, sublinhando a importância dos exemplos: “Têm uma força extraordinária. Uma jovem negra que vive ainda num Portugal underground e vê essas mulheres a chegarem ao Parlamento vai pensar que é possível.” Considera que o grande desafio das três deputadas “é conseguirem não etnizar as suas intervenções, colocando na agenda questões que afectam, de forma mais directa, as minorias em Portugal”.

Para Antonieta Gomes, deputada pelo PS da Assembleia Municipal de Sintra e membro da assembleia da Freguesia da União das Freguesias de Massamá e Monte Abraão, esta eleição significa que “os movimentos sociais pelo reconhecimento dos direitos das minorias (negros, ciganos) e o anti-racismo estão a surtir efeitos”. Considera que o papel das três futuras deputadas “deve estar focado, essencialmente, em projectos de leis sobre inclusão social, melhor integração dos imigrantes e mais igualdade noutros domínios, sobretudo nos da educação e do mercado de trabalho”.

A historiadora Filipa Lowndes Vicente, especialista em história do colonialismo, diz que domingo “foi um dia muito importante, porque três mulheres negras, progressistas, feministas e defensoras de uma sociedade igualitária, inclusiva e tolerante foram eleitas deputadas”. Vê nelas uma nova geração de afrodescendentes preparada para contribuir para a democracia portuguesa e para ocupar os vários espaços de opinião pública. Está optimista: “Vejo-a também como um sinal de alguma maturidade de um país que já é capaz de discutir criticamente quer o seu passado colonial, quer as muitas marcas que esse passado ainda tem no presente. Faltavam estas caras e estas vozes.”