Quem vota em quem? Breve análise ao perfil dos concelhos onde os partidos se destacam

Nos concelhos onde o Chega teve melhores resultados o peso da população estrangeira é superior à média. O BE consegue mais votos em municípios com população mais jovem. O PAN tem bons resultados naqueles com médias salariais elevadas. Estes são apenas alguns dados de um projecto que cruza resultados eleitorais e indicadores sociais e económicos.

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ANTóNIO PEDRO SANTOS/LUSA

O portal de dados estatísticos EyeData, criado pela empresa Social Media Lab para a agência Lusa, fornece um conjunto de indicadores que permitem perceber quais as características do concelhos onde os partidos melhor e pior se saem. Como? Os resultados eleitorais de cada partido são divididos em três, permitindo ver qual o terço dos concelhos em que cada partido obteve os melhores desempenhos, assim como aqueles em que teve piores e, ainda, o resultado médio.

Depois, no mesmo portal, é possível cruzar esses resultados com um vasto conjunto de variáveis económicas e sociais. De acesso universal, e gratuito, os dados ajudam a interpretar o sentido do voto que conduziu à eleição – ou não – de cada deputado e de cada partido. Aqui seguem algumas conclusões.

1. PS mais forte nos concelhos com menor poder de compra

Os concelhos onde o PS obteve resultados mais altos registam um poder de compra inferior à média nacional, com um ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem de 950 euros (inferior ao valor médio registado no país, de 1108,56 euros). Têm também mais trabalhadores da administração local do que a média (por cada 1000 habitantes há 13,21 funcionários das câmaras ou juntas de freguesia, enquanto a média nacional é de 11,62 funcionários por cada 1000 habitantes). E ainda um número mais elevado de escolas, embora a escolaridade esteja abaixo da média. 

As despesas em ambiente são inferiores, nestes municípios, à média nacional e o consumo de energia eléctrica por habitante é também inferior à média.

Os dados mostram que a população estrangeira a residir legalmente nestes concelhos é inferior à média do país, enquanto a população residente com menos de 15 anos é praticamente igual à média. Porém, há mais pessoas com 65 anos ou mais de idade. O saldo populacional migratório por 10 mil habitantes, ou seja, o peso do número de imigrantes e emigrantes na população residente nos concelhos onde o PS teve melhores resultados, é muito inferior à média nacional (2,56 contra 11,2).

2. PSD ganha nos mais envelhecidos

O PSD obteve os resultados mais elevados nos concelhos onde a percentagem de população com mais de 65 anos supera a média nacional. De acordo com os dados recolhidos no EyeData, o PSD conseguiu resultados mais elevados em municípios onde 22,83% da população local tinha, em 2018, 65 ou mais anos, quando a média nacional para esta faixa etária era de 21,67%. Inversamente, a percentagem de jovens com 15 ou menos anos residentes nestes concelhos é inferior à média nacional: 12,32% contra 13,77%.

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adriano miranda

Os dados indicam ainda que o PSD obteve resultados mais altos nos concelhos onde o volume de negócios de empresas não financeiras dos sectores terciário (comércio e serviços) e secundário (indústria) é inferior à média nacional, mas onde as empresas do sector primário (agricultura, pescas e pecuária) apresentam um volume de negócios superior ao da média registada no conjunto do país. Nestes concelhos, a percentagem de desempregados inscritos em centros de emprego face à população residente é de 5,85%, ligeiramente mais elevada do que os 5,54% registados no país.

Outra curiosidade relevante é o facto de os concelhos em que o PSD obteve uma votação mais elevada apresentarem, em média, uma área ardida em 2017 equivalente a 10,22%, valor que supera largamente a média de 6,06% de área ardida a nível nacional nesse ano.

Os resultados destas eleições mostram ainda que o PSD teve uma votação mais alta em concelhos onde ainda vivem poucos emigrantes (2,18% do total dos residentes nos concelhos, bastante abaixo da media nacional, que é de 4,64%).

3. BE com melhores resultados nos municípios mais jovens e instruídos

Os concelhos onde o BE obteve melhores resultados nas eleições de domingo caracterizam-se por serem mais jovens, terem maior nível de instrução, maior poder de compra e menor volume de negócios. São concelhos eminentemente urbanos, uma constatação possível pela análise de indicadores como o baixo grau de área ardida (2,84%, o que compara com a média nacional de 6,06%), um consumo de energia superior em 11% à média nacional (5.128,61 kWh por habitante comparados com 4.621,62 kWh por habitante a nível nacional), e uma quantidade de resíduos urbanos recolhidos por habitante também superior em 4% à média nacional.

Em termos demográficos, nos concelhos onde o BE teve melhor resultado há mais divórcios: no país há em média 64 divórcios por cada 100 casamentos; nos concelhos onde o BE teve melhores resultados há 70 divórcios por cada 100 casamentos.

O BE tem também melhores resultados em concelhos onde, em média, o número de desempregados inscritos é menor (representando 5,39% da população com idade entre 15 e 64 anos, quando a média nacional é de 5,54%) e onde o poder de compra “per capita” é superior em 1,5% à média nacional (índice de 101,81 face a 100,22 a nível nacional).

A percentagem de população com mais de 15 anos que tem o ensino secundário é superior em 7,9% à média nacional nos concelhos onde o BE tem o melhor resultado (32,93% face a 30,53%).

4. PAN melhor nos que têm salários mais altos

O discurso do Partido Pessoas Animais Natureza (PAN) capitalizou muitos votos nos concelhos com níveis salariais mais altos e onde se faz recolha de resíduos para reciclagem acima da média. Em 2017, o volume de resíduos urbanos recolhidos por habitante em Portugal era de 487,29 quilogramas, mas nos concelhos onde, nestas eleições, o PAN obteve uma votação mais elevada, o valor médio por habitante era de 518,74 quilos.

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Martin Henrik

Relativamente aos indicadores demográficos, os dados revelam que o partido liderado por André Silva conquistou um número de votos mais alto nos concelhos com população mais jovem, em que o número de residentes com 15 ou menos anos é de 14,55% — para uma média nacional de 13,77%. Nesses municípios, o número médio de filhos por mulher situava-se, em 2018, em 1,52 superando a média nacional (de 1,42), e o mesmo se passa com a percentagem nascimentos fora do casamento que é de 57,68%, contra 55,87% no conjunto do país.

O ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem que residem nos concelhos onde o PAN registou resultados mais elevados era, em 2016, de 1192,03 euros, um valor que ultrapassa por mais de uma centena de euros a média nacional, então balizada nos 1108,56 euros.

O Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza teve ainda melhores resultados nos municípios em que o volume de negócios das empresas dos sectores terciário e secundário per capita registam valores médios acima da média nacional, mas onde o volume de negócios das empresas do sector primário (agricultura, pescas e pecuária) surge 25,7% abaixo da média do conjunto do país.

5. CDU vence em concelhos onde há mais velhos e mais crime

Nos concelhos onde a CDU obteve melhores resultados nas eleições de domingo há mais crimes, a população é mais velha, as empresas geram mais negócio e há um maior nível de instrução.

Nestes municípios onde a CDU conseguiu mais votos a percentagem de população com mais de 65 anos (22,7%) é superior à media nacional (21,67%). São também concelhos em que o número de divórcios por cada 100 casamentos é idêntico ao da média nacional, mas o número de nascimentos fora do casamento é superior em 11,2% — 62,14% no terço onde a CDU teve melhores resultados, que compara com os 55,87% apurados a nível nacional. Nesse mesmo grupo de concelhos onde a CDU conseguiu mais votos percebe-se, ainda, que população estrangeira residente corresponde a 6,81%, acima da média nacional, que é de 4,64%.

Um outro dado que sobressai nos concelhos em que os comunistas tiveram uma votação mais expressiva: o número de crimes registado pelas polícias por cada 10.000 habitantes é superior à média do país. Nos concelhos onde a CDU obteve melhores resultados registaram-se 377,66 crimes por 10 mil (a nível nacional são de 321,58). 

Os concelhos onde a CDU obteve os melhores resultados nas eleições legislativas de domingo caracterizam-se ainda, no que ao ambiente diz respeito, por um baixo grau de área ardida (1,30%, o que compara com a média nacional de 6,06%) e por um consumo de energia superior em 9,1% à média nacional (5.042,90 kWh/hab comparados com 4.621,62 kWh/hab). A quantidade de resíduos urbanos recolhidos por habitante é também superior em 7,9% à média nacional.

6. CDS-PP destaca-se onde há menos divórcios

A erosão de votos que sofreu o CDS-PP foi menos visível nos concelhos onde se registam menos divórcios e menos filhos fora do casamento face à média nacional, mas também maior poder de compra e mais empresas.

Os dados recolhidos no portal EyeData mostram que nos concelhos onde o CDS PP teve mais votos se registaram 55,61 divórcios por cada 100 casamentos, um valor inferior aos 64,06 de média nacional. Também o número de filhos fora do casamento está abaixo da média (52% do total de nados vivos contra 56%). O número de filhos por mulher está dentro da média nacional (1,44) e o peso dos casamentos não católicos é inferior à média nacional (65,47% contra 67,71%).

Nos concelhos onde o CDS-PP obteve os melhores resultados, o número de empresas não financeiras, tanto do sector primário como do secundário e terciário, é mais alto do que a média nacional, sendo a diferença mais significativa nas empresas do sector terciário (comércio e serviços). O ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem nos concelhos onde o CDS-PP obteve resultados mais altos é de 1247,77 euros, superior à média nacional, de 1108,56 euros. Também o poder de compra per capita é mais elevado.

7. Livre ganha nos concelhos com mais população estrangeira 

O partido que elegeu Joacine Katar Moreira para deputada na Assembleia da República registou melhores resultados nos concelhos onde a percentagem de população estrangeira legalmente residente é de 6,17% — acima da média nacional de 4,64%. E onde há mais jovens com menos de 15 anos — nos concelhos onde o partido tem mais expressão estes ascendem a 14,61%; a média nacional é de 13,77%.

A percentagem de beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) nos concelhos que proporcionaram ao Livre os seus melhores resultados nestas eleições corresponde a 3,46% da população com mais de 15 anos aí residente, sendo que, no conjunto do país, a percentagem dos beneficiários desta prestação social é ligeiramente inferior (3,20%). Os dados mostram ainda que o número de casamentos não católicos é, nestes municípios, de 72,38% (a média nacional é de 67,71%).

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rui gaudencio

Em Portugal, a disparidade no ganho médio mensal entre níveis de habilitação é de 27,58% mas, nos concelhos onde o Livre obteve melhores resultados, esta disparidade é de 29,17%. No que ao ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem diz respeito, o valor registado nestes concelhos é de 1200,34 euros, superando os 1.108,56 euros médios observados em Portugal.

8. Iniciativa Liberal mais popular onde há mais empresas

Os concelhos onde o Iniciativa Liberal (IL) obteve resultados melhores apresentam um volume de negócios na indústria e no comércio que ultrapassa a média nacional.

No caso da indústria, o volume de negócios registado nos concelhos onde o partido fundado há dois anos por Carlos Guimarães obteve mais votos é 17,7% superior àquele que é registado na média nacional, e no caso das empresas de comercio e serviços essa diferença chega aos 24,5%. Já as empresas do sector primário (agricultura, pescas e pecuária) apresentam um volume de negócios inferior à média nacional de 22,9%.

De acordo com os dados recolhidos no site EyeData há menos trabalhadores da administração local nestes concelhos face à média nacional e o número de desempregados inscritos nos centros de emprego também é menor. O ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem é de 1171,65 euros (a média do país é de 1108,56 euros).

9. Chega melhor nos municípios onde a CDU estava acima da média

Em todos os concelhos do país houve eleitores que votaram no Chega, sendo o concelho do Corvo, nos Açores, o único que lhe deu apenas um voto. Os municípios onde André Ventura teve mais votos foram, por ordem, Sintra (4190), Lisboa (4016), Loures (2881) e Odivelas (1782). Olhando para os dados que é possível extrair no portal EyeData, agregando todos os municípios onde o Chega teve melhores resultados, percebe-se que a mensagem de André Ventura chegou melhor àqueles onde a criminalidade é mais baixa do que no resto do país, mas também onde há menos poder de compra.

Nos concelhos onde o Chega teve melhores resultados também há mais população estrangeira residente que na média nacional: 6,83% nos concelhos onde André Ventura capitalizou mais votos enquanto a nível nacional a percentagem é de 4,68%.

Olhando para os indicadores económicos, percebe-se que nos concelhos onde o Chega obteve melhor resultado o poder de compra per capita é inferior em 0,9% à média nacional. O volume de negócios de empresas do sector secundário e terciário é também inferior à média (em 31,9% e 13,1% respectivamente). Os resultados das empresas do sector primário (agricultura e pescas) é bem mais expressivo, já que têm um volume de negócios superior à média nacional em 25,2%.

Em termos de ambiente, os concelhos onde o Chega obteve os melhores resultados nas eleições legislativas de domingo caracterizam-se por um consumo de energia inferior em 4,3% à média nacional (4.424,66 kWh/hab comparados com 4.621,62 kWh/hab) e um baixo grau de área ardida (2,38%, o que compara com a média nacional de 6,06%).

Os concelhos onde o Chega teve uma percentagem de votação mais elevada coincidem com alguns em que a CDU obteve resultados em 2015 acima da sua média nacional. Com cerca de 66.400 votos a nível nacional, e uma percentagem de 1,30%, os concelhos onde o partido de André Ventura conseguiu ter uma maior proporção dos votos (com mais de 4%), foi em concelhos onde a CDU tem bons resultados. É o caso de Moura, onde o Chega teve 4,68%, conseguindo 245 votos, ou de Elvas, com 4,52% e 381 votos. Houve percentagens de votação mais expressivas, caso de Alvito (4,76%) ou Monforte (4,6%), mas que significaram, respectivamente, 47 e 65 boletins de voto.

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