Entre a Corte e as ruas no Festival de Sintra

O pianista Nelson Freire e a Orquestra Gulbenkian abrem uma programação diversificada que se prolonga até 1 de Outubro.

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Regresso a Portugal do agrupamento Le Poème Harmonique, um dos pontos altos do festival dr

Concebida em torno do mote “Da Corte às Ruas”, a 54.ª edição do Festival de Sintra, que decorre desta sexta-feira até 1 de Outubro, apresenta um conjunto de propostas diversificadas e criteriosas em termos de repertórios e intérpretes, vários deles com carreiras internacionais de relevo. Trata-se da segunda edição do festival planificada por Gabriela Canavilhas, que conta no seu currículo com a direcção artística de um outro festival (MusicAtlântico, nos Açores, entre 1999 e 2009), para além do seu anterior percurso como pianista e docente e da actividade política.

“Transversal ao ambiente religioso e profano, fosse de forma profissional ou amadora, o apelo da prática musical estendeu-se de forma irresistível por entre a corte e as ruas, contaminando-se nos estilos, nas práticas e na estética musical”, escreve Canavilhas no texto introdutório ao programa. Dos palácios e dos salões da burguesia, passando pela ópera e pelas igrejas, “a inspiração criativa apropriou-se indiscriminadamente dos estilos” numa “recriação contínua” através de diversos “vasos comunicantes”, refere a directora artística. Esta perspectiva reflecte-se também na diversidade dos espaços escolhidos: além dos palácios nacionais de Sintra e Queluz e do Centro Cultural Olga Cadaval, cenários habituais do festival, haverá concertos na Igreja de Nossa Senhora da Misericórdia de Belas, na Igreja de Nossa Senhora da Purificação (Montelavar) e na Sociedade Filarmónica União Assaforense (São João das Lampas).

O concerto de abertura (hoje, às 21h30, no Centro Olga Cadaval) cabe a Nelson Freire, figura maior da interpretação pianística, que irá tocar o Concerto de Grieg, com a Orquestra Gulbenkian, sob a direcção de Raphael Oleg. O restante programa inclui ainda Peer Gynt, Suite nº1, também de Grieg, e a Sinfonia nº 8, de Dvorák. Participante habitual do festival há longos anos, Nelson Freire representa um elo de ligação com o protagonismo que o piano teve na história deste evento, nascido em 1957 sob a designação Jornadas Musicais de Sintra e contando com o envolvimento fundamental da Marquesa Olga de Cadaval e da autarquia. Esse legado prolonga-se através da participação na edição deste ano de pianistas como a russa Ana Federova (dia 20), do jovem chinês Xyniuan Wang (dia 24) e do francês Cédric Tiberghien (dia 29).

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Pianista Nelson Freire irá tocar esta sexta-feira O Concerto de Grieg dr

A ideia central do festival, “Da Corte às Ruas”, encontra eco no programa homónimo dos Músicos do Tejo, dirigidos por Marcos Magalhães e Marta Araújo, com a soprano Joana Seara e o baixo João Fernandes. Da música operática de influência italiana cultivada nos círculos da corte e da aristocracia às modinhas de salão, o repertório praticado em Portugal no século XVIII  preenche o concerto do dia 27, no Palácio de Queluz. Ainda no campo da música portuguesa, destaca-se a primeira audição moderna do Mattutino de Morti, de João Domingos Bomtempo (1775-1842), pela Sinfónica Portuguesa e pelo Coro do Teatro Nacional de São Carlos, dirigidos por Graeme Jenkins, no dia 12. Trata-se da primeira etapa de um projecto a dois anos que envolve a interpretação de quatro Responsórios em 2019 e dos restantes cinco em 2020. Prevê-se a gravação ao vivo com vista a uma edição discográfica que irá assinalar o 200.º aniversário da estreia da obra, ocorrida em 1822 na cerimónia de transladação do corpo de D. Maria I para a Basílica da Estrela.

O regresso a Portugal do agrupamento Le Poème Harmonique — protagonista de uma memorável interpretação em Lisboa das Lamentações de Jeremias, de Cavalieri, no âmbito dos Concertos Em Órbita de 2001 — constituirá certamente um dos pontos altos do festival. Com a meio-soprano Isabelle Druet, o grupo de Vincent Dumestre, detentor de uma preciosa discografia na etiqueta Alpha, apresentará no dia 18, no Palácio de Queluz, o programa Danza!, sobre a assimilação das danças espanholas em França no século XVII.

Mas várias outras propostas despertam curiosidade e expectativas. É o caso de Women Under Influence, um cruzamento de canções renascentistas com versões contemporâneas de repertório urbano do século XX, em arranjos do compositor e pianista Filipe Raposo, na voz da soprano Ana Quintans (dia 15); do programa De la musique avant toute chose, concebido por João Paulo Santos, sobre a poesia de Paul Verlaine, para a voz do tenor Marco Alves dos Santos (dia 25); e do espectáculo Summer Sunday, “pastoral cómica-trágica-ecológica” do compositor e maestro Joseph Horovitz (n. 1926), que aborda num tom divertido a defesa do ambiente e do bem-estar do meio rural (dia 28). Mário Laginha e o seu Trio abrem a primeira parte e Laginha será também o pianista de Summer Sunday, que conta ainda com o Coro Allegro (Sintra) e o coro infantil Voci (Sintra) e com os cantores solistas Joana Seara, Marco Alves dos Santos e Hugo Oliveira. O espectáculo tem vídeo de Miguel Matos, encenação de Carlos Antunes e direcção musical de Manuel Líbano Monteiro.

A programação inclui ainda dois concertos pela Orquestra Académica Filarmónica, criada por Osvaldo Ferreira em 2016 (incluindo o concerto do dia 7 a primeira audição mundial de O Despertar de Élpis, de Anne Victorino D’Almeida); as Variações Goldberg, de J. S. Bach, na transcrição para trio de cordas pelo violoncelista Pavel Gonziakov e pelas violinistas Tatiana Samouil e Natalia Tchitch (dias 13 e 14); um projecto de formação de jovens das Bandas Filarmónicas, que irão preparar um programa com a soprano Sandra Medeiros (dia 15); e a participação da Orquestra Chinesa de Macau, dirigida por Liu Sha, no concerto de encerramento, a 1 de Outubro.

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