Projecto polémico nas Fontainhas vai ser alterado para preservar as vistas

Câmara do Porto chegou a acordo com arquitecto responsável pela empreitada e imobiliária detentora do edifício na Rua da Corticeira. Demolição parcial pode arrancar já em Setembro

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Rui Moreira já tinha admitido erro de avaliação ao aprovar o projecto e pediu mesmo desculpa à população Nelson Garrido

A imobiliária detentora do prédio na Rua da Corticeira cujo telhado ultrapassava o muro do Passeio das Fontainhas, algo nunca visto desde o século XVIII, aceitou alterar a arquitectura do edifício e deverá iniciar a demolição de parte do mesmo já em Setembro. Há um mês, no dia 22 de Agosto, Rui Moreira tinha admitido um erro de avaliação dos serviços de urbanismo da autarquia ao aprovar aquele projecto. Mas – dizendo não ser possível embargar uma obra com licença ou tomar posse administrativa da mesma – depositou a esperança na bonomia do detentor da obra e dos arquitectos responsáveis pelo projecto.

O diálogo aconteceu pouco depois dessa altura e a história terá o final feliz ansiado pelo executivo e pelos moradores das Fontainhas. “A câmara pediu-nos uma reunião e manifestámos logo abertura total para fazer uma alteração”, adiantou ao PÚBLICO o arquitecto António Côrte-Real, acrescentando que também a imobiliária Bigone Serviços S.A. aceitou essa mudança. A sugestão já foi apresentada “informalmente” à autarquia e no gabinete Vinagre e Côrte-Real estão, neste momento, a “ultimar o projecto de alteração”.

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As vistas junto ao único fontanário do Passeio das Fontainhas tinham ficado comprometidas com esta obra Nelson Garrido

Nos próximos dias, será entregue aos serviços de urbanismo, que terão de “emitir uma nova licença”. A partir daí, acredita António Côrte-Real, o processo será célere e a demolição de parte do telhado poderá avançar ainda durante o mês de Setembro.

A solução apresentada prescinde da cobertura inclinada e opta por uma “plana e ajardinada”, que “deixa de obstruir a visão” para o rio Douro. “É muito semelhante à casa que existia antes” nos números 87 a 91 da Rua da Corticeira.

A localização do imóvel, explica o arquitecto, não foi esquecido na hora de fazer o esboço inicial. Como a parte mais alta do edifício, a que ultrapassa o limite do muro, distava mais de um metro deste, o gabinete entendeu que “o impacto não era assim tão feroz”. E avançou com a proposta – validada, apesar das dúvidas, pelos serviços consultados.

Por integrar a zona histórica do Porto, classificada pela UNESCO, o projecto foi submetido à apreciação da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). Do ponto de vista arqueológico, esta entidade considerou não haver “condicionantes”, mas o mesmo não se passou com a arquitectura. O atelier fez algumas alterações, para responder a falhas detectadas. Mas, mesmo assim, suscitou dúvidas a um técnico superior da DGPC. Em Maio de 2016, e apesar das mudanças introduzidas, estas continuavam “a não ir de encontro à informação técnica emitida”. Por isso, remetia-se a “consideração superior” um juízo final. João Carlos dos Santos, sub-director geral da DGPC, acabaria por dar luz verde.

Na câmara, houve também dúvidas quanto ao cumprimento das “regras urbanísticas que se impõem à luz do PDM”. Citando os artigos 11 e 44 e também o artigo 20 do RJUE, solicitavam-se mudanças na arquitectura. Nesse momento, o gabinete propôs um aumento da distância do corpo mais elevado do edifício: dos 1,30 metros diferidos do muro do Passeio das Fontainhas passou para os 1,50. Dessa forma, a proposta já não levantava “questões relevantes de integração e imagem urbana” e conquistava, em Maio de 2016, um parecer favorável do gabinete de urbanismo, na altura liderado pelo socialista Manuel Correia Fernandes.

Todos os edifícios no Passeio das Fontainhas ficam abaixo do limite do muro Nelson Garrido
As Fontainhas são uma das zonas mais icónicas da cidade Nelson Garrido
Tanto a câmara como a DGPC aprovaram o projecto com uma cércea acima do limite do muro Nelson Garrido
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Todos os edifícios no Passeio das Fontainhas ficam abaixo do limite do muro Nelson Garrido

A abertura do atelier Vinagre e Côrte-Real e da Bigone Serviços ao pedido da câmara não é um alinhamento com a sua posição. “Aceitei mudar porque é razoável haver uma interpretação diferente da nossa”, anuiu António Côrte-Real, sublinhando que, por iniciativa própria e apesar de não serem obrigados a isso, travaram a obra de imediato.

Para já, não foi fixada nenhuma indemnização, conta o arquitecto. “Gostaria que acontecesse, mas o caso não foi tratado nesses termos”, informou: “Para já, a perspectiva foi apenas a de resolver um problema que ganhou proporções talvez exageradas.”

A opinião tem tudo a ver com contexto. “Apesar de aplaudir a atenção dos jornalistas e da população ao que se constrói, fico espantado porque noutras situações de imensa gravidade - onde não estamos a falar de 40 centímetros, mas de 30 metros - não se fala da mesma forma.” Em causa, exemplificou, estão edifício como o da escarpa da Arrábida, o prédio construído mais acima, no monte da Arrábida, ou o icónico Shopping Bom Sucesso, que chegou a ter decisão judicial no sentido da demolição, mas nunca foi abaixo.

A luta da população foi acérrima, no caso das Fontainhas. Quando o PÚBLICO avançou a notícia, os moradores estavam a recolher assinaturas para uma petição – que 1800 pessoas subscreveram – e tinham até pedido o embargo da obra, temendo a abertura de um “precedente terrível” com este caso. Na altura, a câmara dizia ao PÚBLICO que o projecto havia sido aprovado e fiscais da câmara tinham comprovado não haver “desconformidades” com o que estava definido.

O problema, no entanto, era outro: “Evidentemente que aqui não andaram bem os serviços da câmara municipal, nem terão andado bem os serviços da Direcção-Geral do Património [Cultural]”, admitiu Rui Moreira dias depois, numa reunião camarária. O presidente do executivo eleito como independente deixou mesmo um pedido “a todos os técnicos”: “Quando aparecem projectos em locais tão sensíveis como este, tentem visitá-los. Uma coisa é olhar para um alçado ou desenho, outra é chegar lá e ver. Tenho a certeza de que se vissem alguma luz amarela ter-se-ia acendido.” E perante uma plateia onde havia gente das Fontainhas admitiu o erro sem meias palavras: “Pedimos desculpa à população.”

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