Zé Manel pôs num disco a alma e a esperança dos guineenses

Fundador dos míticos Super Mama Djombo, Zé Manel apresenta ao vivo em Lisboa o seu quinto álbum a solo, Nha Alma. Esta sexta-feira no B.Leza, em Lisboa, às 22h30.

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Zé Manel DR

O nome de Zé Manel é quase uma lenda na música da Guiné-Bissau, como um dos fundadores dos Super Mama Djombo, grupo que nos anos 1970 ajudou a despertar a consciência nacional com as suas canções cantadas em crioulo, mandinga e balanta. Com uma longa permanência no grupo, iniciou também uma carreira a solo. O seu novo disco, Nha Alma, vai ser apresentado ao vivo esta sexta-feira em Lisboa, no B.Leza, às 22h30.

Zé Manel, de seu nome José Manuel Fortes, nasceu em 1957, na Guiné-Bissau, e tinha apenas 6 anos quando deu os primeiros passos num grupo musical, a tocar percussões. “Formámos um grupo nos escuteiros, ainda sem nome, que tocava nos acampamentos, nas fogueiras, músicas de igreja, populares e portuguesas.” Depois, os mais velhos quiseram “emancipar-se” e propuseram criar um novo grupo fora dos escuteiros. E Zé Manel lá estava: “Tocávamos em baptizados, em festas de aniversário, em casamentos. Éramos cinco.” Mas chamavam-se Sete Guinéus, nem ele sabe porquê.

Até que houve “um grande festival”, num campo de futebol, e concorreram. “Aí já tínhamos um outro guitarrista, o Jorge Medina. Quando o convidámos, disse que só aceitava se fosse chefe do grupo. E tivemos de tirar o solista que tínhamos.” Mas ganharam com a troca. “O Jorge era muito mais experiente, tocava músicas do Jimi Hendrix. Foi ele que trouxe o nome de Mama Djombo. Porque quando a gente ia para entrar no estádio ele disse que precisávamos de ter um nome tradicional guineense, já que o nosso [Sete Guinéus] era português. Sugeriu Mama Djombo, todos gostaram, e ficou.”

Lisboa, Paris, Califórnia

Mas após a independência, que se seguiu ao 25 de Abril em Portugal, em 1974, o grupo voltou a mudar de guitarrista. E nas mesmas condições: Adriano Atchutchi só aceitava entrar no grupo se o liderasse. Assim foi: ele entrou e Medina saiu. E foi com Atchutchi que o grupo ampliou o nome e o número de elementos, de 7 para 14. “Naquele tempo estava na moda: super isto, super aquilo. E como o grupo era quase uma orquestra, com cinco vocalistas, cinco violas eléctricas e percussão, ficou Super Mama Djombo.”

Durante a presidência de Luís Cabral, que os apreciava e apoiava, o grupo correu “todos os PALOP” e actuou em Lisboa, numa cerimónia no Palácio de Belém. “Para nós foi uma alegria, uma escola e também a nossa vivência como músicos. Foi muito lindo e continua a ser.” Depois de lançar o seu primeiro álbum a solo, Tustumunhos Di Aonti (1982), onde criticava as más práticas do regime de partido único, Zé Manel estudou em Lisboa com uma bolsa da Gulbenkian, na Academia dos Amadores de Música. “Fiquei lá quatro anos e pensava voltar para a Guiné, mas a situação política complicou-se.

Foi depois para Paris. Gostou da cidade, mas não encontrou nela o seu lugar. Então decidiu ir para a Califórnia. “E foi lá que tudo aconteceu: Maron Di Mar [2001], African Citizen [2003], Povo Adormecido [2007]. Foram os congoleses, os grandes músicos congoleses, que me receberam e fiz lá e minha vida, com a minha banda, durante uns 20 anos.”

A casa dos músicos

O quinto álbum, Nha Alma (2018), foi já gravado na Guiné-Bissau, com um estúdio que ele trouxe da Califórnia e instalou em sua casa quando voltou, em 2010. “A minha casa é a casa dos músicos. Entra todo o mundo, se há comida todo o mundo come, é entrada e saída. Achei que devia fazer essa parte, trazer os mais jovens comigo. Porque vejo uma potencialidade incrível neles, fazem trabalhos lindos. Mas faltava ir ao encontro deles, encorajá-los. Porque têm um papel muito importante.” Em Nha Alma, Zé Manel conta com a participação de músicos como Eneida Marta, Binhan, Rhymman, Manecas Costa, com produção dele e direcção artística do baixista Gogui Embalo. O nome do disco foi-lhe sugerido pelo sociólogo guineense Miguel de Barros. “Ele escutou tudo e disse-me: ‘Nha alma. Porque isto aqui é a alma de cada um de nós.” E nessa alma está também o futuro: “A nova geração lembra-me a minha, estávamos um pouco perdidos: ‘será que vamos ser aceites?’ Então quando os mais velhos vão ao encontro dos mais novos, é uma satisfação grande. Quer dizer que estamos a fazer qualquer coisa de bem.”

E o que Zé Manel traz consigo são décadas de conhecimento, musical e cultural. “A cultura é o passaporte de um país, é o motor, é aquilo que nós somos, o nosso dia-a-dia, a nossa convivência, a nossa língua. Os congoleses diziam ‘vous, les portugais’ e eu dizia ‘oui’. Porque o crioulo é a minha língua, mas o português é a minha língua oficial. Portanto, onde um português está, eu estou aí. Porque faz parte da minha vivência.”

Quanto à Guiné-Bissau, Zé Manel está menos pessimista: “Estamos a ver um bocadinho de luz, mas as pessoas ainda estão um pouco reticentes. Será que vai acontecer ou não? Estamos com alguma esperança, mas a conjuntura não tem sido favorável.”

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