O tempo de aprender com as crises

Precisamos de uma task-force para evitar que o mundo laboral continue, em grande parte, marginalizado nos seus direitos essenciais.

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Nelson Garrido

Na tarde de sábado, no momento em que escrevo, não era ainda possível dar por definitivamente terminada a greve que há mais tempo e com maior intensidade perturbou o país. Mas os sinais pareciam claros: o isolamento do sindicato dos motoristas de matérias perigosas que liderou o movimento chegara a um ponto-limite e as suas energias estariam à beira do esgotamento. Apesar de todo o talento histriónico do verdadeiro líder da greve, o advogado Pardal Henriques – um fenómeno inteiramente novo no mundo sindical, político e mediático português –, seria absolutamente improvável que ele, mesmo acompanhado pela devoção cega dos seus fiéis, conseguisse inverter o equilíbrio de forças em confronto, quando os dois outros sindicatos de motoristas já tinham entrado em acordo com os patrões e, sobretudo, o Governo mobilizara uma task-force ministerial sem precedentes para enfrentar o desafio.

Dito isto e aprendidas as necessárias lições, o fenómeno Pardal Henriques – ou outros da mesma extracção – terá terreno para prosperar? O mundo sindical e político estará acantonado às fronteiras actuais – mesmo com adaptações, variações e radicalismos de expressão restrita – ou, pelo contrário, será possível antever algumas alterações estruturais e novos protagonismos? Estaremos de facto imunes aos movimentos de natureza populista que se têm espalhado através da Europa? Não haverá por aí um Salvini (não um caricatural André Ventura) à espreita?

O que esta crise pôs a nu foi, entre outras coisas, um conjunto de realidades que insistimos em desvalorizar ou desconhecer no mundo do trabalho, fora das fronteiras a que estamos habituados (quem diria, à partida, que umas centenas de camionistas seriam suficientes para paralisar o país?). A situação desses motoristas reflecte, num sector mais sensível e com impacto maior no nosso quotidiano, outros tantos casos de estatuto precário, horários de trabalho excessivos, ordenados baixos e falta de garantias para a reforma. Ora, precisamente, estas questões acabaram por ser desvalorizadas no contexto da discussão sobre a greve e não parecem ter tocado especialmente a sensibilidade governamental, favorecendo até a suspeita de uma cumplicidade com o patronato que, através do seu principal porta-voz, foi multiplicando as manifestações de arrogância.

O Governo foi eficazmente reactivo nas medidas que tomou para minimizar os efeitos da greve e não perder o controlo da situação. Ora, onde o Governo falha é na sua capacidade de ser pró-activo, de desenhar o mapa dos problemas do país para poder intervir oportunamente e não apenas quando é ultrapassado pelos acontecimentos. A visibilidade da task-force mobilizada para enfrentar a greve contrasta com a habitual apatia burocrática da máquina governamental. Precisamos de uma task-force para prevenir, e não só para remediar. E para evitar que o mundo laboral – exceptuando porventura a função pública – continue em grande parte marginalizado nos seus direitos essenciais. Eis, em suma, uma das matérias essenciais em que o Governo deveria ser claramente pró-activo, impedindo que a marginalização de tantos sectores do trabalho nos torne reféns de uma repetição de crises sem fim.

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