A propósito de alguns artigos (e notícias) do PÚBLICO

Os “chief scientific advisers” poderão ser úteis no aconselhamento de certas decisões, mas já pensaram o que seria sermos governados por eles?

O artigo de Ana Costa Freitas, no PÚBLICO do passado dia 10, não mereceria comentário não fosse ele escrito por uma reitora de uma universidade pública portuguesa. Mas, dada esta condição da autora, não gostaria de deixar sem resposta algumas das suas considerações (que me parecem significativamente confusas) e, sobretudo, o seu ponto de partida (e de chegada), que me parece destituído de razão. Na sua perspetiva, se “baseada em evidência”, qualquer medida política seria única e correta! Não pude deixar de me lembrar de uma ideia semelhante expressa em tempos por Cavaco Silva: gente bem intencionada e de boa fé chegaria sempre à mesma conclusão (a dele, obviamente).

Em primeiro lugar, no tocante à economia, ciência num sentido “duro” é difícil de estabelecer. Tivemos economistas como Keynes ou Hayek e prémios Nobel atribuídos a Friedman mas também a Samuelson ou Krugman. Opor as decisões baseadas em evidência à política não faz qualquer sentido. É pela política que se estabelecem os objetivos e não pelos dados. Os “chief scientific advisers” poderão ser úteis no aconselhamento de certas decisões, mas já pensaram o que seria sermos governados por eles?

E se é assim na economia, é-o também em muitas outras decisões: acesso amplo (e eventualmente gratuito) ao ensino superior ou, pelo contrário, acesso à venda para os filhos de pais ricos que nem a partir de colégios conseguiram entrar onde pretendiam? Meritocracia como critério fundamental? Leiam, por favor, o excelente artigo de David Marçal no P2 do PÚBLICO do passado dia 5 de agosto. E poderíamos continuar por aí adiante. Em quase todos os domínios as opções têm sempre uma forte carga política e, muitas vezes, ideológica.

Assim sendo, funcionando melhor ou pior, os partidos são fundamentais como entidades mediadoras, como o são, aliás, os sindicatos. Mesmo apoiando ou simplesmente votando num partido, será impossível pensar que estaremos de acordo com todas as suas propostas; o nosso voto corresponde ao compromisso possível, muitas vezes ao mal menor. E o mesmo entre partidos. Fico sempre bastante nervoso quando ouço falar de consensos. Não há consenso possível quando os pressupostos são diferentes e, deixemo-nos de rodeios, em muitos deles esquerda e direita continuam a fazer todo o sentido. E, claro, há muitas esquerdas (e muitas direitas) e o que se passou com a “geringonça” (que fortemente apoio) é paradigmático: houve alguns consensos (poucos) mas muitos compromissos. E isso é o que faz a boa política. O que se evitou foi um mal muito maior que seria a repetição do PàF.

Não posso, contudo, ser mais defensor de que os processos decisórios se baseiem, quando adequado, no conhecimento científico, e fico verdadeiramente preocupado quando notícias e reportagens como a do P2 do PÚBLICO do passado domingo nos dão a conhecer que os hospitais públicos e o SNS dão cobertura a formas de medicina alternativa fortemente contestadas pela Ordem dos Médicos (mas apoiadas, sem surpresa, pela bastonária da Ordem dos Enfermeiros). E mais preocupado ainda que tal tenha tão pouca contestação por parte da comunidade científica. Valham-nos as posições frontais e esclarecidas tomadas (de novo) por David Marçal no PÚBLICO de dia 12, posições essas que, excetuando Carlos Fiolhais e poucos outros, escasso apoio explícito e público têm vindo a merecer.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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