Voltei em Agosto, oxalá ficasse o ano todo

É melhor a comida (não é difícil), o mar, o sol, a praia, a areia, os abraços do pai, da mãe, irmãos e amigos, é melhor a cama e os lençóis, os cafés e esplanadas, a cerveja e o vinho branco, é melhor o pôr-do-sol.

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A. L./Unsplash

Desde já o meu obrigado, Fernando Teixeira, pelas tuas palavras, certeiras, sucintas, encorajadoras.

É verdade: estamos à espera o ano todo, 11 meses que mais parecem 12. O ano todo à espera de poder, de facto, voltar, durante um mês inteiro, tão inteiro a ponto de nos esquecermos dos dias da semana e do mês agora de volta ao conforto, à segurança de uma casa sedenta de abraços, risos e gargalhadas, e a felicidade é assim tão simples.

Ansiamos o ano todo e contamos os dias o ano todo. Infelizmente, um ano é muito tempo e lá fora não se compadecem das nossas saudades, destas ganas de viver. O mundo não pára e nós também não, até atingirmos o chamado ponto de rebuçado, quando deixamos de ver luz ao fundo do túnel e o cansaço nos lança de rojo no chão, incapazes de acreditar num outro país, numa outra terra, a nossa terra, onde tudo é melhor.

É melhor a comida (não é difícil), o mar, o sol, a praia, a areia, os abraços do pai, da mãe, irmãos e amigos, é melhor a cama e os lençóis, os cafés e esplanadas, a cerveja e o vinho branco, é melhor o pôr-do-sol.

Desenganem-se, no entanto, se acreditam ser possível viver num mês o que não se viveu num ano. Não é. Já tentámos e não conseguimos, correndo o país de lés-a-lés a visitar todos os amigos, familiares e capelinhas, contando a mesma história dos últimos 11 meses vezes sem conta até ficarmos com a língua de fora. 

No fim, e por pura necessidade de descansar e ter umas férias, deixámos de visitar capelinhas, fizemos da praia a nossa base e todos os anos convidamos amigos e familiares a juntarem-se para umas merecidas horas ao sol. Se nuns anos podem uns, noutros anos podem outros, ninguém se chateia, de vez em quando temos visitas lá fora e a vida continua.

Obviamente, lamentamos não poder viver o mundo que aqui corre em paralelo entre sobrinhas que não param de crescer, casamentos de amigos, aniversários perdidos, nascimentos e perdas. Estamos demasiado longe e chegamos sempre demasiado tarde. A Internet? Três horas no Skype não valem um beijo.

E sim, se lá fora somos estrangeiros, cá falam connosco em inglês, desconfiando de sobrolho no ar quando respondemos na mesma língua. Na mesma língua, mas com um modo de pensar diferente, rapidamente originando discussões e a afirmação de estarmos descontextualizados com a realidade portuguesa, entre expectativas e planos irrealistas com vista a salvar o país de si mesmo.

E não, não há nada de glamoroso na globalização e na flexibilidade. Se saímos foi por necessidade, as experiências lá fora só o são enquanto não existirem no nosso país e somos todos exilados económicos.

Entretanto, voltamos de mãos dadas a Agosto e trazemos cor e vida a quem deixámos para trás. Oxalá ficássemos o ano todo. Oxalá pudéssemos trazer um pouco desta cor connosco para aquecer os dias de frio e noite à nossa espera lá fora, quando são 15 horas e as trevas tomam conta do pouco que resta da vida. 

Oxalá, Fernando, não tivéssemos de partir para que outros possam andar “com os bolsos bem forrados”. Esta frase, sublime, resume a condição de cinco milhões, ou mais, de portugueses e luso-descendentes espalhados hoje por esse mundo fora.

E ai de quem questione quem anda com os bolsos bem forrados. Indignados, melindrados, não compreendem esta revolta e morrem parvos às nossas mãos, incrédulos diante de tanta crueldade. Afinal, se com os seus avós e pais já tinha sido assim, porque não também com eles? Porquê esta raiva? Este ódio? Este povo? 

Já tentei explicar-lhes inúmeras vezes, mas é como falar com uma parede, mas uma parede alta e superior, com o nariz no ar, ausente da crise onde sempre vivemos muito antes de a crise chegar.

Cada país tem os governantes que merece. Portugal não é excepção e as decisões políticas pagam-se quando, a médio prazo, deixarmos de voltar e, connosco, todos os filhos nascidos lá fora numa outra língua e pouco ou nada interessados num país que, apesar de solarengo, pouco mais lhes diz.

Enquanto esse dia não chega, também eu brindo com vinho do Porto a quem nos acolhe: à nossa!

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