Um Tour imprevisível e o fim de uma lenda

Haverá três portugueses no pelotão, mas a ausência de alguns candidatos torna a Volta a França deste ano uma prova com vencedor imprevisível.

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O Tour arranca hoje em Bruxelas Reuters/Eric Gaillard

Mark Cavendish não vai à Volta a França 2019. Algum dia uma antevisão do Tour teria de começar desta forma: esse dia chegou. Depois de 30 etapas ganhas, uma camisola verde conquistada e 12 anos depois, o já lendário sprinter britânico ficou fora das escolhas da equipa Dimension Data e não vai ter a possibilidade de se aproximar do recorde de Eddie Merckx, que soma 34 vitórias no Tour. Esta é a primeira vez, desde 2007, que “Cav” falha o Tour. O melhor resultado de Cavendish em 2019 foi um terceiro lugar numa etapa da Volta à Turquia, motivo que levou a sua equipa a abdicar do britânico – uma decisão que tem gerado discussão e que o próprio classificou como “arrasadora”. Sem Cavendish, a principal prova de ciclismo do planeta vai, neste sábado, para a edição 106 e, na luta pela camisola amarela, há uma boa e uma má notícia.

A má é que Chris Froome e Tom Dumoulin, ambos lesionados, e Primoz Roglic, que correu o Giro, não irão a jogo neste Tour 2019, deixando a prova refém daqueles que são apontados como os três grandes favoritos às vitórias nas grandes voltas.

A boa notícia é que a ausência destes três “tubarões” deixa a competição muito aberta, sem um claro favorito, prevendo-se o Tour mais imprevisível dos últimos anos. E é impossível falar de favoritos sem, primeiro, falar do perfil da corrida.

É que a organização desenhou, para este Tour, um percurso apelidado de “climber-friendly”, isto é, adequado a trepadores que, noutras edições da prova, sofreram com o excesso de contra-relógios (neste ano, serão apenas 55 quilómetros, divididos por dois “cronos” curtos: um colectivo e um individual).

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A vez da França no Tour?

Seja pela ausência de Froome, seja pelo perfil “climber-friendly” do percurso, fica claro que Nairo Quintana, Romain Bardet e Thibaut Pinot têm, neste ano, a oportunidade perfeita para fazerem o que até agora muito prometeram, mas pouco cumpriram. Para os franceses, fala-se mesmo de um “agora ou nunca”, com um país sedento de uma vitória que foge aos gauleses desde Bernard Hinault, em 1985.

Apesar do percurso que lhes é favorável, os três trepadores surgem num segundo patamar de favoritismo. À frente destes devem ser colocados os INEOS Egan Bernal e Geraint Thomas, bem como o Astana Jakob Fuglsang.

O dinamarquês chega ao Tour depois da vitória no Dauphiné e na Liège-Bastogne-Liège e tem uma equipa que parece capaz de o ajudar – a Astana leva Gorka Izaguirre, Pello Bilbao, Omar Fraile e Luis León Sánchez. No entanto, durante a corrida, pouco se destacou em provas de três semanas e, tendo 34 anos, vale a pena perguntar “porquê?”.

Contra o dinamarquês estará a INEOS (ex-SKY) que, sem Froome, traz uma liderança bicéfala: Thomas carrega o fardo de ser o campeão em título, enquanto o jovem Bernal, de apenas 22 anos, carrega um fardo mais leve, mas igualmente exigente: venceu a Volta à Suíça e o Paris-Nice, não se desgastou no Giro, chega ao Tour em grande forma e tem juntado melhorias no contra-relógio às já conhecidas valências na montanha. Resta saber como é que a INEOS, que soma seis triunfos no Tour nos últimos sete anos, vai gerir a liderança dupla e quem ajudará quem no momento em que um dos líderes passar dificuldades.

Num terceiro patamar há, ainda, outsiders a considerar. Mikel Landa tem um Tour à sua medida, com pouco “crono”, mas o desgaste do Giro e a liderança de Quintana não dão ao espanhol uma dose larga de favoritismo.

Adam Yates é um nome a ter em conta, mas, apesar de ter ao lado o irmão Simon, terá o ónus de a equipa Jumbo não levar, como habitualmente, um plantel muito vasto em talento – Roglic sofreu-o na pele, no Giro.

Richie Porte é, ainda e sempre, um nome de respeito, mas, fruto dos constantes azares nesta prova, o próprio já deverá dar-se por satisfeito por terminar o Tour sem marcas de queda no corpo.

Steven Kruijswijk tem uma palavra a dizer na luta pelo top-5, pelo qual também lutarão Fabio Aru, Enric Mas, Rigoberto Urán, Ilnur Zakarin ou Emmanuel Buchmann. E também Vincenzo Nibali, cujo desgaste do Giro dificilmente permitirá ao italiano almejar à amarela em França. “Quero ver o que sinto após a etapa seis”, disse o italiano, o único que estará na partida com um Tour já conquistado.

Esta etapa destacada pelo “tubarão de Messina” será mesmo o “termómetro” ao nível dos favoritos, já que, após a partida, em Bruxelas, as cinco primeiras etapas do Tour deverão trazer, por esta ordem: sprint, contra-relógio, final em subida ligeira, sprint, fuga.

A montanha chegará na referida sexta etapa e será o primeiro teste aos favoritos, mas as decisões serão, como habitualmente, nos Pirenéus, na segunda semana, e nos Alpes, na terceira, antes da mítica chegada aos Campos Elísios.

Portugueses à “caça” de etapas

Entre os homens mais rápidos, Elia Viviani quer desforrar-se do mau Giro, enquanto Dylan Groenwegen, em boa forma em 2019, e Caleb Ewan, em estreia no Tour, prometem equilíbrio nas chegadas ao sprint.

Nenhum destes homens deverá ter, ainda assim, grandes possibilidades de chegar à camisola dos pontos. Peter Sagan parte na pole position para conquistar a camisola verde do Tour pela sétima vez, tendo a concorrência de Michael Matthews.

O australiano, vencedor da camisola em 2017, preparou-se para este Tour na montanha – a equipa planeava tê-lo a ajudar Dumoulin –, pelo que a ausência do líder e o tipo de preparação feita poderão dar-lhe ferramentas para oferecer réplica a Sagan na luta pelos preciosos pontos de sprints intermédios.

Por fim, haverá luta entre os habituais “caça-etapas” e, acima de todos os outros, está Julien Alaphilippe. O ano de 2019 de sonho deverá ter continuidade neste Tour, já que o francês é, possivelmente, o mais versátil do pelotão internacional. E tem, ainda, a camisola da montanha na mira.

Atenções viradas, ainda, para os jovens Wout van Aert e Matej Mohoric, capazes de fazer a diferença em vários terrenos, bem como para nomes como Greg van Avermaet, Tim Wellens, Boasson-Hagen, Niki Terpstra e, claro, Thomas de Gendt. Ter o belga em fuga é tão certo como o nascer do sol e é fácil prever que andará, no mínimo, perto de vencer etapas.

Por fim, o Tour 2019 terá três portugueses – Rui Costa, Nélson Oliveira e José Gonçalves –, que entram, até, em funções bastante semelhantes.

Iniciam a prova com a missão de apoiarem, respectivamente, os líderes Aru, Quintana e Zakarin, mas um falhanço dos chefes-de-fila poderá permitir aos portugueses, especialmente Gonçalves e Costa, emergirem como potenciais vencedores de etapas.

Espera-se, portanto, o Tour mais imprevisível dos últimos anos na luta pela amarela, equilíbrio tremendo nos sprints e portugueses à espreita de vitórias em etapas. Chega, como incentivo?

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