A minha casa, as minhas férias

Tendo de viver tão longe, encarrego-me de ganhar lá fora o que podia ganhar arrendando a casa, o chão, o solo que me viu crescer à espera de me ver partir, desta feita para sempre na forma de uma roseira branca, mais uma, plantada no quintal.

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Gareth Harper/Unsplash

Tenho sorte. Tenho muita sorte. Ou talvez não: emigrei há 11 anos e deixei tudo para trás. Mas tenho sorte, tenho uma casa em Portugal, sete quartos ao pé da praia entre um rés-do-chão e um primeiro andar.

Não é só minha, é minha e das minhas irmãs, herança do nosso avô, a casa que o meu avô tanto gostava e onde agora está para sempre numa roseira branca plantada no quintal.

Crescemos nesta casa e numa vida não conhecemos outra, ano após ano, Natal após Natal, entre cães e gatos, pássaros e peixes, amigos, festas de anos, a infância e a juventude de cada um de nós, a nossa mãe, o nosso pai, vitórias e derrotas, a partida de cada um dos irmãos para outras terras, outros países, tanto riso, tanto choro e a casa de repente vazia, sem mais ninguém.

Nesta casa vivemos a família que não voltámos a ter, razão pela qual regressamos todos os anos com o calor à procura do calor de tempos que já lá vão.

Mas se sair do país implicou deixar tudo para trás, ao mesmo tempo possibilitou a recuperação de uma casa há muito a precisar de atenção, do telhado às paredes, salitre e rebocos, pinturas interiores e exteriores, passando pela renovação dos quartos e electrodomésticos, mobília, soalhos, quintal, telhas, isolamento térmico, estores, torneiras, gradeamentos, entre outros arranjos e muitas idas à estância.

Olhando para trás, nos últimos 11 anos dificilmente temos passado umas férias sem mais um acrescento ou reparação.
Outra coisa não esperaria: é a minha casa, é a nossa casa. E se arrendar foi sempre uma opção, principalmente nos primeiros anos de diáspora, arrendar foi também uma excepção e nunca no período das férias estivais. Arrendar sim, mas sempre a preço de amigo e para amigos de modo a garantir o uso e segurança de uma casa sempre à espera do regresso, sempre à espera do Verão.

E porque o Verão é a única altura do ano onde podemos usufruir da casa, do mar e da praia, nunca quisemos arrendar um dos dois andares a turistas e veraneantes.

Se perdemos dinheiro? Prefiro ver a coisa ao contrário: não ganhámos dinheiro. Não obstante, já perdi a conta às vezes em que nos lançaram à cara todo o rendimento perdido por não arrendar uma casa ao pé do mar com a melhor varanda das redondezas. Como se fosse nossa obrigação, nosso dever, arrendar a casa e ganhar dinheiro é a palavra de ordem, não, é a cultura e o modo de vida nesta terra, casa sim, casa não, cheias até ao tecto de surfistas de todas as nações, raças e credos, não apenas no Verão mas o ano inteiro.

A minha casa, as minhas férias. Tendo de viver tão longe, encarrego-me de ganhar lá fora o que podia ganhar arrendando a casa, o chão, o solo que me viu crescer à espera de me ver partir, desta feita para sempre na forma de uma roseira branca, mais uma, plantada no quintal. 

Passando o ano inteiro lá fora, tenho plena consciência do luxo que é um mês inteiro na praia. Independentemente do que os vizinhos, familiares e amigos mais próximos pensem ou digam, e eles pensam, e eles dizem, todos os anos é a mesma coisa.

Mas para quem vive na Lusitânia não é possível compreender a dimensão da saudade e por isso já há muito desisti de explicar o que quer que seja a quem quer que seja.

E enquanto puder voltarei a casa, à minha casa, à nossa casa, todos os anos à procura da minha mãe, das minhas irmãs e sobrinhas, também elas de regresso com o sol e o mar, ciente de como no dia em que tiver de arrendar não voltarei mais.
 

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