João Cajuda gostava de ter a vida que tem no Instagram

No primeiro encontro de bloggers de viagem, no Porto, houve muita partilha, algumas curiosidades e várias piadas, mas sobretudo momentos sérios de reflexão.

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Cajuda tem cerca de 280 mil seguidores no Instagram e 600 mil no Facebook DR/João Cajuda

João Cajuda, filho de pai treinador de futebol (Manuel Cajuda), viveu em dez cidades diferentes durante a infância, habituou-se a fazer amigos e a conhecer pessoas desde novo. E desde cedo andava de câmara de vídeo atrás – “se havia um passeio a Fátima com os amigos da escola, já toda a gente sabia que iria aparecer um vídeo do João”. Quando terminou o secundário, passou para a frente das câmaras e acabou por ser “um conhecido terrível actor português” – foi o próprio quem se apresentou assim a uma plateia de uma centena de pessoas, a grande maioria deles bloggers de viagem, ou aspirantes a isso, no primeiro encontro organizado pela recém-criada Associação de Bloggers de Viagem de Portugal, que decorreu no Palácio da Bolsa, no Porto, a 2 de Junho.

Foi quase um acaso que o devolveu para a parte de trás das câmaras – de onde agora não quer assumidamente sair – e o tornou um conhecido videógrafo de viagens em Portugal. O vídeo que João Cajuda fez sobre as Filipinas foi exibido em plena Quinta Avenida, em Nova Iorque – abusivamente exibido, que o Turismo das Filipinas nunca lhe chegou a pedir autorização para esse vídeo estar a ser mostrado.

Cajuda mergulha na Tailândia DR/João Cajuda
Cajuda nas Seychelles DR/João Cajuda
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Cajuda mergulha na Tailândia DR/João Cajuda

Sim, há problemas que aparecem e é preciso resolver, e a vida não é toda bonita. “Aliás, quem me dera ter a vida que levo no Instagram”, confidenciou João Cajuda, avisando quem aspira à vida de sonho que ele revela nas fotografias e nos canais de vídeo que nem tudo se resolve com um filtro. Há, isso sim, muitas horas de trabalho. E muito trabalho com o coração. “Posso demorar um mês a editar um vídeo, e posso trabalhar das 8h à meia-noite dias e dias seguidos.” Acredita, ainda, que a emoção ao filmar e ao editar é mais importante que os conhecimentos técnicos. “Faço o que gosto, e o melhor que sei”, concluiu, revelando-se um assumido autodidacta. 

E o melhor que sabe João Cajuda tem sido bastante para os quase 280 mil seguidores que tem no Instagram (e quase 600 mil no Facebook), e para os muitos hotéis e organismos de turismo que o convidam a fazer vídeos promocionais. Cajuda deixou muitas dicas para quem se quer aventurar nesta vida, e fez até confidências sobre o seu método de trabalho e processo criativo. E essa foi uma constante do dia: cada orador revelou muito de si e do seu trabalho, proporcionando a uma plateia que pareceu ávida de conhecimento (foram sempre muitas as perguntas aos palestrantes) muitos momentos de partilha.

Era esse o principal objectivo deste evento: criar um fórum de partilha entre os bloggers, juntá-los numa plataforma em que se vejam mais como comunidade do que como concorrentes. “Queremos ‘educar’ o mercado, as empresas e as agências de comunicação, os gabinetes de turismo, de que nós fazemos um trabalho sério, e que podemos trabalhar todos juntos, grandes e pequenos”, disse Carla Mota, uma das bloggers fundadoras da ABVP, do blogue Viajar entre Viagens

Viajar entre Viagens DR
Viajo logo Existo DR
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Viajar entre Viagens DR

A ética e a seriedade do trabalho, e a consciência de que o que fazem e partilham pode de facto influenciar a forma como os seguidores vêem o mundo, foi uma constante nas muitas abordagens que foram sendo feitas durante o dia, que arrancou com o relato da experiência de Leonardo e Rachel Spencer, um casal de paulistas que deixou o Brasil para uma volta ao mundo de carro que durou mais de três anos – e que está documentada no blogue Viajo logo Existo. Com mais de 47 países percorridos nessa viagem, continuam a olhar para o mapa e a conhecer novos destinos, sempre com um lema na cabeça: eles não são super-heróis nem perfeitos, como os acusaram de fingir que eram no início da viagem. “No máximo, nós somos os supernormais, pessoas normais. Mas se há alguma coisa que aprendemos nesta viagem é que as pessoas normais são capazes de fazer coisas extraordinárias”, disse Rachel Spencer.

As questões sobre como se vive de um sonho, e como se transforma o prazer do blogging numa profissão, foram abordadas pelo presidente da ABVP, Filipe Morato Gomes, que usou o exemplo da longevidade do seu Alma de Viajante para discorrer sobre várias formas possíveis para rentabilizar o trabalho feito em viagem. Vender artigos a publicações é apenas uma delas – e para isso também esteve presente no evento a editora da Fugas, Sandra Silva Costa, para elucidar os presentes sobre o que é que deve ter um texto para que possa ser publicado no suplemento de viagens e lazer do PÚBLICO.

O que resultou claro, depois de muitas horas de partilha e de exemplos – estiveram ainda presentes o fotógrafo irlandês Conor MacNeill e a peruana Analucía Rodrigues –, é que o mais importante de tudo é a ética no trabalho e a seriedade com que estes são propostos, ou aceites. Conor MacNeill revelou que não faz um trabalho porque lhe oferecem três relógios ou um passeio de helicóptero, mas admitiu que faria um trabalho na Coreia do Norte ou na Arábia Saudita, mesmo não concordando com o regime político que neles vigora. “Estive nas ilhas Feroé, e perguntaram-me como é que eu aceitei ir fotografar um país onde ainda se caçam baleias. Eu respondi que eles caçam baleias por uma questão de sobrevivência. Talvez se se desenvolver um pouco mais o turismo possam fazer outro tipo de actividade”, exemplificou MacNeill.

O impacto que os criadores de conteúdo de viagens podem ter num determinado destino vai ser um dos temas em discussão numa das próximas actividades dinamizadas pela ABVP. Inserido na programação do Festival de Viagem Aventura, organizado pela Nomad /Manifesto, em Setembro, a ABVP vai discutir temas como a geolocalização e, a partir de casos reais, reflectir sobre as consequências daquilo que os bloggers partilham online quando viajam.

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