Os partidos deviam esclarecer os eleitores

Será que se justifica perpetuar este jogo falso de que se está a contribuir para esclarecer os eleitores?

Amanhã, domingo, são eleitos os deputados portugueses ao Parlamento Europeu. Por uma lei desfasada da realidade não é permitido fazer campanha nas 24 horas anteriores à abertura das urnas, é o dia da reflexão. Também não é permitido que os jornais noticiem sobre as candidaturas. Este princípio legal tem pouca aderência ao que é hoje a velocidade e consequente imediatismo da comunicação, assim como entra em contradição com as mudanças introduzidas (e bem) no voto antecipado, que permitem aos eleitores pronunciarem-se com oito dias de antecedência.

Mas há um problema de fundo que ficou evidenciado nestas europeias: o arcaísmo da forma de fazer política em Portugal. Refiro-me ao período de campanha e ao modo como todos os partidos se comportam supostamente convencidos de que assim é que irão cativar os eleitores. Levámos 15 dias — a bem dizer, mais, pois há a pré-campanha — a ver caravanas eleitorais a percorrerem o país. Estas são grupos de pessoas, constituídos pelos funcionários e dirigentes dos partidos que acompanham o cabeça de lista e outros candidatos, bem como figuras proeminentes ou tutelares do universo partidário.

As campanhas continuam a ser organizadas em Portugal dentro da mesma lógica que o eram há mais de quarenta anos quando a democracia foi instaurada em Portugal. Percorrem o país — a um ritmo absurdo e multiplicando acções para as quais quase não chegam as horas de um dia —, indo aos lugares previamente escolhidos pelas direcções das campanhas. E que locais são esses? Quando olhamos para as campanhas de hoje, percebemos que são escolhidos porque aí há apoio do aparelho partidário ou núcleos de militantes activos. São, no fundo, lugares seguros à partida. É por isso que será hoje praticamente impossível repetir-se a mítica situação vivida por Mário Soares em 1985, na campanha da primeira volta das presidenciais, quando foi agredido na então comunista Marinha Grande.

Os cenários de campanha não são apenas seguros pela escolha do local. As próprias caravanas eleitorais evoluíram na encenação. Esta é agora destinada a proporcionar momentos televisivos cheios de moldura humana e entusiasmo na candidatura, a qual é quase sempre assegurada por grupos de jovens do partido e de militantes e simpatizantes que cercam os candidatos nas arruadas, em feiras, nos encontros, em comícios. Os cabeças de lista distribuem beijinhos, apertam mãos, dão abraços e fingem que têm conversas com os que vão encontrando. Tudo para aparentar determinação, convicção e certeza sobre soluções que nem sequer chegam a explicar. Isto acompanhado de distribuição de material de campanha, de prospectos impressos com propaganda da candidatura a camisolas, canetas e outros gadgets.

Faz sentido percorrer feiras e ruas, visitar fábricas e empresas, fazer almoços, jantares, comícios com os candidatos cercados pelos seus apoiantes e só por milagre estar lá alguém que não é do respectivo partido? Quem já viu estas acções ao vivo sabe bem que raras são as pessoas que não estão lá precisamente para apoiar o candidato e o conhecer pessoalmente. O voto está garantido mesmo antes de o evento começar. Mais: alguém vota num candidato porque lhe dão uma caneta e/ou um panfleto? É este o papel dos políticos?

É claro que os candidatos são acompanhados por jornalistas que os seguem ao ritmo louco, de acção em acção, para não perderem uma suposta declaração “vital”, que na prática, quando muito, é um mero sound bite. Justifica-se seguir candidaturas que se limitam a insultar os adversários, a dizerem generalidades, quando não mesmo banalidades? É este o papel dos jornalistas? Fazerem de pés de microfones dos dislates que os candidatos dizem a cada dia? Deverão os jornalistas continuar a acompanhar cabeças de lista e líderes partidários em volta pelo país, em percursos loucos para registarem insanidades?

Muitos órgãos de comunicação social procuram ir além desta banalização da encenação política. Os dossiers temáticos sobre a União Europeia do PÚBLICO nesta campanha são um exemplo de qualidade nesse domínio. Mesmo os jornalistas do PÚBLICO que acompanharam campanhas conseguiram muitas vezes ultrapassar o mero registo de banalidade. Mas será que se justifica perpetuar este jogo falso de que se está a contribuir para esclarecer os eleitores?

Após 15 dias de campanha, algum eleitor ficou esclarecido sobre as propostas dos partidos que concorrem às europeias? Porque será que os partidos não apostam em apresentação e discussão de ideias? Acredito que, por exemplo, o debate de segunda-feira na RTP, moderado por Maria Flor Pedroso, terá contribuído muito mais para os eleitores saberem o que os candidatos defendem do que dias e dias de circo eleitoral e mediático.

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