Despovoamento: as histórias de quem viu partir toda a gente

Ansião, Leiria, Portugal, 13/1/2019 - Retrato de Maria da Piedade, de 90 anos, com a filha Maria Olaia Dias, 61 anos, na entrada da sua casa. Maria da Piedade é pastora desde os seis anos, assegurando a produção de queijo e lã, que desempenhava um papel importante na subsistência da família. Das duas filhas que teve apenas Maria Olaia Dias sobreviveu à infância. Ao contrário da sua mãe, Maria frequentou a escola, mas ficou retida no segundo ano. Todas as manhãs, mãe e filha saem juntas para pastorear o seu rebanho na serra. Ricardo Lopes
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Ansião, Leiria, Portugal, 13/1/2019 - Retrato de Maria da Piedade, de 90 anos, com a filha Maria Olaia Dias, 61 anos, na entrada da sua casa. Maria da Piedade é pastora desde os seis anos, assegurando a produção de queijo e lã, que desempenhava um papel importante na subsistência da família. Das duas filhas que teve apenas Maria Olaia Dias sobreviveu à infância. Ao contrário da sua mãe, Maria frequentou a escola, mas ficou retida no segundo ano. Todas as manhãs, mãe e filha saem juntas para pastorear o seu rebanho na serra. Ricardo Lopes

Durante quase três meses, ao volante de uma autocaravana, o fotógrafo Ricardo Lopes percorreu as estradas do interior centro do país e visitou as aldeias que se estendem entre Leiria e Coimbra. Encontrou zonas profundamente despovoadas, envelhecidas, empobrecidas, como descreve em entrevista telefónica ao P3. Esta é, para si, uma região especial; é aquela onde estão cravadas as suas raízes familiares. “A minha avó ainda vive lá. O meu pai já estudou em Lisboa e eu nasci em Lisboa”, refere, falando da história desta região, profundamente marcada pelo êxodo rural e emigração. A pobreza que se fazia sentir durante o Estado Novo impulsionou a fuga, em direcção ao litoral ou ao centro da Europa. “Passados mais de 50 anos, a região centro de Portugal continua a debater-se com o fenómeno do despovoamento”, conclui o autor do projecto Interior, que se encontra em exposição no Palácio dos Anjos, em Algés, até ao dia 23 de Maio. “Mas ainda há quem continue a sentir estes locais como uma casa.”

Ricardo tentou abrir as portas dessas casas à sua passagem, mas viu a tarefa dificultada pela desconfiança que se instalou no seio dessas esparsas, reduzidas e resistentes comunidades. “Existe um grande sentimento de insegurança nestas aldeias que é motivado pelo isolamento e pelos assaltos, burlas, vandalismo”, explica o fotógrafo. “Eles têm medo de pessoas estranhas.” Com a ajuda da avó, que o apresentou a alguns dos retratados, Ricardo teve acesso ao interior do interior do país, aos sentimentos e histórias de quem o habita. “Descobri que a vida era mais simples, mas muito mais dura”, reflecte. “Conheci histórias trágicas relacionadas com mortalidade infantil, falta de acesso a educação e serviços de saúde, escassez de alimentos. Havia uma pobreza muito mais severa, há 50 ou 60 anos, do que achei que existisse. Por outro lado, a vida era mais descomplicada. As pessoas viviam para adquirir uma parcela de terra e para poderem sustentar os filhos.”

Aqueles que resistiram “viram desaparecer a tradição agrícola, os rituais sociais, o conhecimento popular”. Desapareceram os jovens e com eles os costumeiros bailes, os casamentos entre pessoas de aldeias vizinhas, as crianças a correr pela aldeia. “Hoje o que existe está desvirtuado”, refere o lisboeta, aludindo às festas ou rituais religiosos que são, por vezes, recuperados por motivações de natureza turística e económica. “As pessoas contam estas histórias com saudade e senti que tiveram prazer ao partilhá-las comigo.” Algumas podem ser conhecidas através das legendas das imagens.

Ricardo gostaria de dar continuidade ao projecto Interior, que desenvolveu com o auxílio do multipremiado fotógrafo Mário Cruz durante a masterclass Narrativa. “Gostaria de estendê-lo a outras zonas de Portugal e, quem sabe, no futuro publicar um livro sobre o tema.” O fotógrafo acredita que o despovoamento tem um impacto muito mais profundo do que pode ser entendido à primeira vista. “A inviabilidade económica decorrente da fragmentação da propriedade agrícola e a indiferença dos herdeiros proprietários das terras leva a um crescimento florestal desorganizado que dá origem, todos os anos, a incêndios incontroláveis”, exemplifica. “Nesta zona, em particular, arderam, em 2017, quase 300 mil hectares de floresta e, em consequência, morreram mais de 100 pessoas.” 

Figueiró dos Vinhos, Leiria, Portugal, 22/12/2018 - Uma estrada desce sobre o vale da Foz de Alge, em Figueiró dos Vinhos. Esta é uma região fortemente afectada pelo despovoamento rural e perdeu cerca de 50% da sua população desde 1960.
Figueiró dos Vinhos, Leiria, Portugal, 22/12/2018 - Uma estrada desce sobre o vale da Foz de Alge, em Figueiró dos Vinhos. Esta é uma região fortemente afectada pelo despovoamento rural e perdeu cerca de 50% da sua população desde 1960. Ricardo Lopes
Penela, Coimbra, Portugal, 20/12/2018 - José Henrique, de 51 anos, posa para um retrato enquanto prepara um terreno para a plantação de pinheiros. José ganha a vida como trabalhador à jorna, muitas vezes em termos informais e com vencimentos instáveis. É pai de duas meninas que se mudaram para a cidade para viver com a mãe, de quem José está separado.
Penela, Coimbra, Portugal, 20/12/2018 - José Henrique, de 51 anos, posa para um retrato enquanto prepara um terreno para a plantação de pinheiros. José ganha a vida como trabalhador à jorna, muitas vezes em termos informais e com vencimentos instáveis. É pai de duas meninas que se mudaram para a cidade para viver com a mãe, de quem José está separado. Ricardo Lopes
Penela, Coimbra, Portugal, 17/12/2018 - Um bando de pássaros voa sobre a pequena aldeia do Rabaçal, com uma população de 291 (INE, 2011). A aldeia do Rabaçal chegou a ser sede de concelho e foi um importante centro económico para feiras de gado e produção do queijo de denominação de origem protegida do Rabaçal.
Penela, Coimbra, Portugal, 17/12/2018 - Um bando de pássaros voa sobre a pequena aldeia do Rabaçal, com uma população de 291 (INE, 2011). A aldeia do Rabaçal chegou a ser sede de concelho e foi um importante centro económico para feiras de gado e produção do queijo de denominação de origem protegida do Rabaçal. Ricardo Lopes
Pombal, Leiria, Portugal, 23/12/2018 - Maria da Silva, de 93 anos, posa para um retrato na sala de estar da sua casa. Esta é o local onde mora há mais de 70 anos e onde criou os seus dois filhos: Jacinto e Jacinta, em honra da Santa Jacinta, uma das pastorinhas que testemunhou as aparições de Nossa Senhora de Fátima em 1917. O seu filho, Jacinto, visita-a todos os domingos para a acompanhar à missa.
Pombal, Leiria, Portugal, 23/12/2018 - Maria da Silva, de 93 anos, posa para um retrato na sala de estar da sua casa. Esta é o local onde mora há mais de 70 anos e onde criou os seus dois filhos: Jacinto e Jacinta, em honra da Santa Jacinta, uma das pastorinhas que testemunhou as aparições de Nossa Senhora de Fátima em 1917. O seu filho, Jacinto, visita-a todos os domingos para a acompanhar à missa. Ricardo Lopes
Figueiró dos Vinhos, Leiria, Portugal, 22/12/2018 - As ruínas de uma casa tradicional de pedra rodeada por floresta ardida. Nesta zona em particular arderam, em 2017, quase 300 mil hectares de floresta e mais de 100 pessoas morreram nos incêndios florestais em Portugal.
Figueiró dos Vinhos, Leiria, Portugal, 22/12/2018 - As ruínas de uma casa tradicional de pedra rodeada por floresta ardida. Nesta zona em particular arderam, em 2017, quase 300 mil hectares de floresta e mais de 100 pessoas morreram nos incêndios florestais em Portugal. Ricardo Lopes
Pombal, Leiria, Portugal, 10/1/2019 - Gerardo Goncalves, de 86 anos, posa para um retrato com o seu filho José Goncalves, 56,  no quintal de sua casa. Gerardo é viúvo e está incapaz de trabalhar. José, que ficou aleijado à nascença por falta de assistência médica durante o parto, é quem assegura a manutenção dos poucos animais que possuem, assim como a recolha de lenha para cozinhar e aquecer a casa no Inverno.
Pombal, Leiria, Portugal, 10/1/2019 - Gerardo Goncalves, de 86 anos, posa para um retrato com o seu filho José Goncalves, 56, no quintal de sua casa. Gerardo é viúvo e está incapaz de trabalhar. José, que ficou aleijado à nascença por falta de assistência médica durante o parto, é quem assegura a manutenção dos poucos animais que possuem, assim como a recolha de lenha para cozinhar e aquecer a casa no Inverno. Ricardo Lopes
Soure, Coimbra, Portugal, 18/12/2018 - Um espantalho decorado com fitas plásticas a esvoaçar protege uma pequena vinha familiar de pássaros na aldeia do Pombalinho, com uma população de 807 habitantes (INE, 2011). Pombalinho perdeu cerca de 60% da sua população desde 1960.
Soure, Coimbra, Portugal, 18/12/2018 - Um espantalho decorado com fitas plásticas a esvoaçar protege uma pequena vinha familiar de pássaros na aldeia do Pombalinho, com uma população de 807 habitantes (INE, 2011). Pombalinho perdeu cerca de 60% da sua população desde 1960. Ricardo Lopes
Penela, Coimbra, Portugal, 17/12/2018 - Retrato de Simões Armindo, de 80 anos, nas ruínas do lagar da sua família, na aldeia do Rabaçal. Simões fechou o lagar há quase 50 anos para emigrar para França, onde trabalhou como operário numa fábrica até se reformar. “Encontrar um mestre de lagar competente era impossível na altura, todos queriam emigrar, não tive outra opção se não encerrar o lagar”, diz.
Penela, Coimbra, Portugal, 17/12/2018 - Retrato de Simões Armindo, de 80 anos, nas ruínas do lagar da sua família, na aldeia do Rabaçal. Simões fechou o lagar há quase 50 anos para emigrar para França, onde trabalhou como operário numa fábrica até se reformar. “Encontrar um mestre de lagar competente era impossível na altura, todos queriam emigrar, não tive outra opção se não encerrar o lagar”, diz. Ricardo Lopes
Pombal, Leiria, Portugal, 21/12/2018 - Ruínas de casas tradicionais em pedra na Aldeia do Vale, freguesia de Vila Cã, com uma população de 1659 (INE, 2011). Actualmente, pequenas aldeias na região são habitadas maioritariamente por idosos, que estão em situações de isolamento cada vez maior, uma tendência que, prevê-se, se irá manter.
Pombal, Leiria, Portugal, 21/12/2018 - Ruínas de casas tradicionais em pedra na Aldeia do Vale, freguesia de Vila Cã, com uma população de 1659 (INE, 2011). Actualmente, pequenas aldeias na região são habitadas maioritariamente por idosos, que estão em situações de isolamento cada vez maior, uma tendência que, prevê-se, se irá manter. Ricardo Lopes
Ansião, Leiria, Portugal, 8/1/2019 - Os restos de uma queimada, um método tradicional de limpeza de matos, de forma a preparar os terrenos para cultivo. A recorrente divisão da propriedade à medida que esta é herdada de geração em geração cria um padrão de fractura do território em micro-propriedade. Frequentemente, os herdeiros não estão interessados em explorar os terrenos, ou estes não são viáveis, ou não sabem onde estão localizados.
Ansião, Leiria, Portugal, 8/1/2019 - Os restos de uma queimada, um método tradicional de limpeza de matos, de forma a preparar os terrenos para cultivo. A recorrente divisão da propriedade à medida que esta é herdada de geração em geração cria um padrão de fractura do território em micro-propriedade. Frequentemente, os herdeiros não estão interessados em explorar os terrenos, ou estes não são viáveis, ou não sabem onde estão localizados. Ricardo Lopes
Pombal, Leiria, Portugal, 28/12/2018 - Retrato de Maria Ferreira, de 81 anos, na cozinha de sua casa. Maria nasceu fora do casamento e foi criada por um casal que a adoptou para que ela pudesse trabalhar para eles. Maria nunca foi à escola e começou a pastorear ovelhas aos cinco anos. Na sua adolescência, um acidente com uma enxada na lavoura cegou-a no olho direito. Casou com Isidro Fernandes, um jovem de  uma família pobre, num casamento de conveniência arranjado entre as famílias. Os pais adoptivos de Maria deixaram-lhe por herança a casa onde vive hoje e onde criou os seus três filhos.
Pombal, Leiria, Portugal, 28/12/2018 - Retrato de Maria Ferreira, de 81 anos, na cozinha de sua casa. Maria nasceu fora do casamento e foi criada por um casal que a adoptou para que ela pudesse trabalhar para eles. Maria nunca foi à escola e começou a pastorear ovelhas aos cinco anos. Na sua adolescência, um acidente com uma enxada na lavoura cegou-a no olho direito. Casou com Isidro Fernandes, um jovem de uma família pobre, num casamento de conveniência arranjado entre as famílias. Os pais adoptivos de Maria deixaram-lhe por herança a casa onde vive hoje e onde criou os seus três filhos. Ricardo Lopes