Apenas mulheres

Trata-se sim de uma revolta contra a fé dos homens que ditam as regras e as escolhas do que nós, mulheres, podemos e devemos fazer ou pensar.

Em artigo no PÚBLICO (6/4/2019) intitulado “Por que é que o #MeToo e suas variantes são reaccionários e puritanos”, Pacheco Pereira manifesta uma dura crítica às feministas por “criminalizarem o sexo reduzindo-o a normas puritanas de policiamento do corpo e cabeças”.

Reconhecendo que a sociedade é machista, Pacheco Pereira considera que os argumentos racionais estão ausentes dos debates públicos entre homens e mulheres. Porque, como diz, os nossos argumentos são os da “experiência vivida, o de sentir na pele” e, obviamente “a pele não pensa”.

É verdade que nós, feministas, estamos completamente fora da racionalidade patriarcal e do raciocínio de Pacheco Pereira, quando apresenta argumentos sobre um ser feminino definido e assente no sexo e na alcova, a qual, como diz, não deve ser burocratizada.

Não pretendo elucidar um bom historiador como Pacheco Pereira.

Mas desde as sufragistas dos anos 20, passando nos anos 40, pela vontade expressa de um quarto para si de Virgínia Wolf ou à revolta de uma doméstica (Betty Fridman) da periferia de Nova Iorque nos anos 60, até ao direito de abortar dos anos 70 e às actuais denúncias do movimento #MeToo, que é por demais evidente que a vontade e a revolta de todas as mulheres no mundo se exibe sem argumentos de alcova. Mas sim em consequência de muito saber, de muita experiência e de muito trabalho em cuidar de tudo e de todos, depois de gerar vida, mantendo-se subalternizadas em direitos virilmente definidos.

Trata-se sim de uma revolta e de uma vontade expressa contra a fé dos homens que ditam as regras e as escolhas do que nós, mulheres, podemos e devemos fazer ou pensar.

Foi a mando destas regras e escolhas viris que a legislação sobre o direito ao aborto em Portugal foi atrasada durante dez anos por um primeiro-ministro (A. Guterres) e por um secretário-geral partidário (M. Rebelo de Sousa), por razões (mui racionais) da sua fé católica.

E é certamente com este tipo de argumentos mui racionais que se defende que 70% dos licenciados do nosso país, sendo mulheres (desde os anos 90), estejam ausentes de todos os lugares com maior decisão política.

E que 80% dos doutorados e investigadores, sendo mulheres, não representam qualquer poder nas decisões da Academia e na gestão das suas Instituições.

Isto são factos bem conhecidos desde o tempo do Eng. Guterres, que obrigou a rapaziada do PS a ir tirar uma licenciatura porque não queria ter ministros e secretários de Estado não licenciados. Foi assim que nasceram as licenciaturas de vão de escada e os curriculum vitae inventados, até hoje.

Tudo muito racional, diria o meu gentil vizinho Pacheco Pereira.

Voltando ao movimento #MeToo, fico feliz por saber que as artistas estão mais radicalizadas na sua luta. Elas sabem que só os excessos fazem eco, como em todas as revoluções.

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