José Pedro Croft: “Expor uma obra não é só colocá-la no espaço, é ver como ela o trabalha”

José Pedro Croft expõe Uma Coisa na Galeria Municipal de Matosinhos. São gravuras, desenho e escultura a dialogar com o espaço arquitectónico, mas também com o corpo do visitante.

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Peça criada especificamente para a Galeria Municipal de Matosinhos DR
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Gravura da exposição Uma Coisa DR
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Gravura da exposição Uma Coisa DR
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José Pedro Croft Nuno Ferreira Santos
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José Pedro Croft com Álvaro Siza Paulo Pimenta

É ao fim do percurso por três salas que deparamos com a “pièce de résistance” do conjunto de obras que fazem Uma Coisa, a exposição de José Pedro Croft (n. Porto, 1957) que foi inaugurada no sábado na Galeria Municipal de Matosinhos. No canto direito da sala, uma montagem de quatro espelhos de tamanhos diferentes, interceptados por um vidro de grandes dimensões, possibilita ao visitante um inesperado jogo de reflexos. Vemos o nosso corpo simultaneamente espelhado e seccionado: uma camisa, uma perna, um sapato, a cabeça, o corpo multiplicado na profundidade do espaço…

Esta foi a peça que José Pedro Croft concebeu especificamente para a galeria matosinhense, e o visitante avisado não deixará de estabelecer uma conexão directa com o conjunto escultórico Medida incerta, que, depois de ter representado Portugal na Bienal de Arte de Veneza de 2017, foi adquirido pela autarquia de Matosinhos e instalado no espaço exterior da Casa da Arquitectura.

“Eu fui sempre recebido de uma forma muito calorosa pela Câmara de Matosinhos, e quando recebi o convite para esta nova exposição fiz questão de apresentar quase só praticamente trabalhos inéditos”, explicou o artista ao PÚBLICO, durante a montagem de Uma Coisa, que tem curadoria de Delfim Sardo.

Pensada também para dialogar com a especificidade do espaço da galeria projectada pelo arquitecto Alcino Soutinho, a peça composta por vidro e espelhos reflecte e sintetiza os temas e as questões que perpassam pela série de 18 gravuras, de grande e pequeno formato, pelo desenho e pelo segundo conjunto escultórico que compõem a nova exposição em Matosinhos.

“Há uma constante em todos estes trabalhos, e que se mantém como uma preocupação actual na obra de Croft: a criação de uma tensão muito grande em que há planos que se tocam, e às vezes se interceptam e mergulham uns nos outros multiplicando o espaço, as tensões próprias da arquitectura”, nota o curador, que acompanha o trabalho do artista desde há quase duas décadas.

Coisas humanas

Delfim Sardo sugeriu Uma Coisa para título desta nova exposição porque viu na selecção de trabalhos que ambos fizeram para a galeria de Matosinhos “variações sobre a intercepção de planos e de cantos ou esquinas”, sobre a relação do corpo com a racionalidade do espaço, físico, arquitectónico – ou seja, “coisas”.

Mas estas “coisas” – defende o curador, também em declarações ao PÚBLICO –, como, de resto, o conjunto da escultura de José Pedro Croft, representam “as questões globais do humano, como a nossa relação com o tempo, a nossa finitude, a nossa fragilidade enquanto seres, a que ele dá uma expressão objectual, tridimensional”.

Croft concordou com a sugestão de Sardo, porque, na realidade, “as formas são ligeiramente diferentes, são variações, mas são sempre a mesma coisa: já não são corpos, são planos que formam corpos que nunca chegam a ser construídos”, diz. Ficam-se por essa tensão que o artista permanentemente sente, seja na relação com a folha de papel em branco como com o espaço onde vai intervir.

Na exposição que Croft concebeu para Matosinhos, o vínculo com a arquitectura é também determinante. Mais ainda por se tratar da terra natal de Álvaro Siza, com quem trabalhou de perto na preparação da sua obra para a Bienal de Veneza, mas também na intervenção que fez na Barragem do Feiticeiro, no Baixo Sabor. “O seu pensamento sobre como fazer arquitectura a partir da ocupação do espaço foi um enorme enriquecimento para todo o meu processo interior”, nota Croft. “Para mim, expor uma obra não é simplesmente colocá-la no espaço, é ver como ela o trabalha, como interage, como é acolhida pelo chão, pela parede, pelo tecto, pela luz”, acrescenta.

José Pedro Croft realça ainda o facto de – ressalvando o conjunto escultórico da sala do meio, já exibido em Coimbra – o conjunto de peças que compõem Uma Coisa estar a ser mostrado pela primeira vez em Portugal. Trata-se de um trabalho iniciado em 2017, tendo as gravuras sido editadas em Madrid e depois aí mostradas, e também em Nova Iorque e na Cidade do México – para onde o escultor está actualmente a desenvolver um novo projecto.

“Foi um corpo de trabalho que me foi muito difícil fazer, levou muitos meses, uma experiência intensa”, recorda Croft, revelando que “as gravuras mais pequenas foram mesmo as mais difíceis e mais dolorosas de conseguir”.

Uma Coisa vai ficar na Galeria Municipal de Matosinhos, aberta diariamente, até 11 de Maio.

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