“Tenho imensa vontade de ver o que é que as pessoas vão fazer”

A conceituada actriz Rita Blanco é a presidente do júri da primeira edição do Mobile Film Festival em Portugal, que está a receber candidaturas até 21 de Março em www.mobilefilmfestival.pt.

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Como surge a sua participação no júri do Mobile Film Festival, o primeiro em Portugal?

Fui convidada. Recebi este convite por email e, embora por vezes não tenha tempo, desta vez consegui encaixar sem ser uma coisa dramática. E, de repente, pensei que era uma ideia engraçada, porque nós temos de começar a abrir as possibilidades. Porque cada vez há menos dinheiro e não só por causa disso, cada vez mais temos que encontrar maneiras, linguagens diferentes porque isso abre... Se é para abrir, óptimo, para fechar bem basta o Estado.

É importante trazer este tipo de iniciativas para o nosso país?

Não é por serem feitas lá fora... Nós temos milhares de modelos, coisas feitas lá fora, que eu pedia muito que não viessem para cá e algumas têm vindo. Esta é uma medida saudável, portanto é encantador que tenha vindo para cá. Estas iniciativas claro que são óptimas, porque tudo o que seja dar mais espaço para as pessoas poderem experimentar, poderem trabalhar, mexerem sem terem que contar com uma série de meios e ficarem dependentes do que quer que seja, isso é uma liberdade que cada vez mais vai ser importante. Sou a favor dos subsídios, atenção, não confundir as coisas, mas o facto de não termos de depender de quem quer que seja é muito interessante para qualquer pessoa que queira fazer um trabalho minimamente criativo. Eu não vi nenhum defeito – há-de ter, com certeza, até porque é feito pelos homens –, mas pareceu-me uma óptima ideia, porque o telemóvel faz parte da vida. Há grandes pintores, o David Hockney por exemplo, que mexeram com os tablets e que pintaram assim, e podemos inventar maneiras. O telemóvel pode ser uma margem de manobra maravilhosa para fazer um storyboard para um filme, que depois se torna realmente um filme. Trabalhar assim é muito melhor do que estar a gastar dinheiro, há montes de gente que vai tentar fazer filmes sem ter experiências anteriores e é uma pena, porque se gasta imenso dinheiro e às vezes são uma grande porcaria. Não há necessidade.

Quais são as expectativas do júri em relação ao material que vão receber?

São altíssimas. É importante que as pessoas tenham o direito, para já, de errar. Sem que isso implique coisas gravíssimas, não é, e para isso é fundamental. É o direito de errar, de experimentar, e de repente podem acontecer coisas bestiais. E uma coisa bestial também é experimentar e também errar. Inclusive faz triagem, uma triagem natural. Porque há coisas que podem surgir muito interessantes, haverá sempre coisas muito más e coisas muito boas. E espero que haja coisas muito boas.

De que forma a sua vasta experiência como actriz a pode ajudar na avaliação dos vídeos a concurso?

Para mim é interessante, porque me pode inclusive abrir portas, janelas... Para eu perceber “olha pode-se fazer isto”, “olha que engraçado”, descobrir até alguém com quem me apeteça trabalhar, com quem me apeteça fazer ligações artísticas ou de brincadeiras. Para mim brincadeiras é uma coisa séria. E nesse sentido ter o prazer de ver coisas a acontecer, pessoas a experimentarem, isso é o meu prazer pessoal. Agora o que é o que eu trago ao festival, isso vamos ver. Como eu já vi muitos filmes na vida, como gosto muito de cinema, como acho que, apesar de tudo, sou aberta às várias possibilidades e adoro ser surpreendida, espero não ser uma péssima júri, porque tenho imenso gosto em que aconteçam coisas. É o meu sonho, que aconteçam coisas.

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Já vários realizadores optam pelo telemóvel, até alguns mais populares. Temos até o caso de “À Procura de Sugar Man”, que ganhou um Óscar…

Incluindo o João Canijo, já que no “Fátima” havia imagens de telemóvel. Eu só não gosto, e isto é pessoal, quando usar o que quer que seja é um efeito. Quando é um efeito a mim, pessoalmente, não me interessa. Mas eventualmente pode acontecer que, de repente, haja um filme só de efeitos que tem um impacto qualquer intelectual, não sei. Por isso é que a arte é uma coisa bestial, porque nos pode sempre surpreender. Normalmente quando é um efeito não tem muito interesse, mas o que é importante é que seja vital e que as pessoas o façam com a alma toda lá enfiada. Pode não chegar, mas às vezes chega.

Além do “Fátima”, teve outras experiências em que fosse filmada com o telemóvel?

Já entrei num filme da minha filha filmado com telemóvel, em que ela me telefonava e depois usou a imagem do Facetime no filme e isso era uma situação importante e era um filme encantador. Eu sei que ela é minha filha, mas eu sou hiper crítica, aliás preparam-se [risos].

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De que forma é que a filmagem com telemóvel a influencia enquanto actriz?

É exactamente igual, o sentido do trabalho é igual. Claro que tenho que ter consciência sempre do que é que se está a filmar e como é que se está a filmar, isso é outra coisa. Tanto me faz que seja uma câmara grande ou mais pequena. Aliás, hoje em dia há câmaras muito pequenas.

Acha que agora vamos percorrer o caminho inverso: primeiro construíram-se câmaras cada vez maiores e melhores, até que ponto é que o futuro poderá ser trocar essas câmaras pelos telemóveis?

Sim e não. Pode ser uma série de caminhos, como eu já disse. Ou seja, o facto de haver telemóveis e de se poder filmar de todas as maneiras não invalida nenhuma delas. Portanto, existem câmaras maravilhosas, a minha filha, por exemplo, está a trabalhar com câmaras inacreditáveis e, no entanto, também trabalha com o telemóvel. Há todo um mundo de possibilidades e é com aquilo que se puder e quiser fazer. Isso abre espaço, por exemplo o telemóvel, a que toda a gente possa fazer e isso é importantíssimo.

Costuma “realizar” filmes com o seu telemóvel e tablet?

Não. Deve ser um defeito profissional, faz-me imensa impressão, incomoda-me imenso fazer filmes. Inclusive os meus bichos, que são muito engraçados na sua maneira de actuar e nunca são susceptíveis de se perturbar com a câmara, eu às vezes filmo-os um bocadinho e penso “vou pôr? Não, que disparate”. Tenho algum pudor e uma impossibilidade de fazer isso. Não tenho arte para isso.

Como não está habituada a fazer esse tipo de vídeos fica mais curiosa em relação ao que as pessoas podem apresentar?

Fico. Bastante mais, e receosa... [risos] Não, tenho imensa vontade de ver o que é que as pessoas vão fazer.