Um Governo; um logro

O Governo compromete-se com cortes na ordem dos 236 milhões de euros.

Discute-se nesta quarta-feira uma moção de censura ao Governo de António Costa. Independentemente da oportunidade da sua apresentação, sobram razões para o Governo de António Costa ser censurado. Mas há mais uma que espantosamente tem passado à margem de todo o debate político.

Apesar de já não ser "notícia", Portugal continua a receber periodicamente a visita da Comissão Europeia (CE), do Banco Central Europeu (BCE) e do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE). Foi assim ainda no passado mês de Novembro, para a nona missão pós-programa da troika. Ora, o “9th Post-Programme Surveillance”, divulgado este mês de Fevereiro, demonstra à saciedade a prática de um Governo que promete e não cumpre. Que corta, de forma cega, nos serviços públicos, mas jura, aos quatro ventos, que o não faz. É logo na página 18 deste relatório que se encontra um parágrafo, no mínimo intrigante, que passou claramente ao lado da discussão política em Portugal, sem que se consiga perceber a razão que o afastou das luzes da ribalta, face à gravidade do que nele se afirma: “The spending review is planned to be continued in 2019. According to the 2019 DBP, it is expected to yield savings of EUR 236 million across several parts of the public sector in 2019. Around half of these savings are expected to come from health and education, while measures in the justice system, internal administration as well as the more efficient use of public assets and the growing use of centralised procurement are expected to contribute the other half.”  Numa palavra: o Governo socialista, apoiada pelo BE e pelo PCP, compromete-se com cortes na ordem de 236 milhões de euros no sector público, sendo que metade desse valor afectará o sector da Saúde (já hoje à míngua) e o sector da Educação. Não se pretende fazer um exercício provocatório, mas não deixa de ser curioso imaginar o que diriam socialistas (com seus compagnons de route bloquistas e comunistas) se qualquer Governo de centro-direita se comprometesse, desta forma encapotada, com as instituições europeias em fazer cortes desta dimensão...

Aqui chegados, e depois de conhecidos os dados da UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental), que deixa claro que o investimento público, em 2018, ficou 1180 milhões de euros abaixo do previsto, pode-se afirmar, factualmente, que o Governo socialista é o campeão da não execução de investimento público e tem ganha a taça dos maiores cortes no sector público. O ponto é que este é um Governo enganador: no início de cada orçamento que lança, anuncia valores altos de investimento público; durante uma semana, ministros e apoiantes do Governo desdobram-se em loas ao investimento público. No final do dia, tudo é um logro. Em suma, este Governo tem os serviços públicos depauperados, alguns deles no limiar da subsistência, como é o caso da saúde; mas apregoa que não faz qualquer corte. No final do dia, sabe-se que não é assim e ainda se compromete, às escondidas, com as instituições europeias a cortar mais. Vamos ser claros: António Costa e o seu Governo comportam-se como uns charlatões, para quem vale tudo para iludir o eleitorado e enganar os portugueses.

Não há transparência, nem coragem para assumir as decisões. Não há clareza nos procedimentos, nem verdade na actuação. Há sim uma total opacidade, um logro contínuo. Ora, todos os números factuais que são conhecidos demonstram a mentira em que labora a governação, com uma cumplicidade absolutamente hipócrita do BE e do PCP: este Governo corta sem critério no sector público e reduz o investimento público com o compadrio desavergonhado de toda a esquerda parlamentar.

Ora, a prestação de contas é um dos valores e das acções fundamentais de uma governação responsável e transparente. Tantas e tantas vezes se tem discutido a reforma do sistema político como panaceia para aproximar eleitos dos eleitores. Para mim, a confiança dos cidadãos só se ganha se houver transparência e uma prestação de contas contínua da governação. Fazendo o que se diz. Cumprindo-se com o que se compromete. E a verdade é esta: depois de saber que em 2018 o Governo investiu menos 1180 mil milhões de euros do que se tinha comprometido, agora garante, repito às escondidas, às instituições europeias, que vai cortar mais 236 milhões nos sectores públicos. Exige-se, pois, uma explicação do Governo: onde vai cortar, porquê e para quê! O debate da moção de censura é uma boa oportunidade para esta explicação. Ao país não se pode esconder um corte desta dimensão; e os deputados devem exigir explicações.

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