Para além do dinheiro, o que cativa os portugueses na Arábia Saudita?

Os treinadores portugueses são respeitados e bem recebidos num país diferente da realidade ocidental. O PÚBLICO falou com um treinador português que está na Arábia Saudita há alguns meses.

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Os adeptos de futebol da Arábia Saudita costumam ser fervorosos LUSA/STR

Juntos na Arábia Saudita, durante um par de semanas, Rui Vitória e Jorge Jesus acabam por não se encontrar. O ex-treinador de Benfica e Sporting deixou de orientar os trabalhos do Al-Hilal e o reencontro entre os dois técnicos no jogo entre o actual líder da liga saudita e o Al-Nassr, marcado para 30 de Março, cai por terra. No entanto, a presença de treinadores portugueses continuará patente naquele país e Bruno Marinho, técnico da equipa B do Al-Faisaly (o plantel principal é actual 6.º classificado do campeonato), explicou ao PÚBLICO alguns dos motivos que levam os sauditas a apostarem nos treinadores "Made in Portugal".

“Os treinadores e jogadores portugueses são respeitados a nível mundial”, refere o técnico português de 38 anos que enumera uma série de qualidades: “Têm grande competência e capacidade de adaptação ao país onde se inserem; sabem iniciar e manter um bom relacionamento humano; sabem estar e respeitar as culturas locais.”

Bruno Marinho refere que os “hábitos, crenças e toda a envolvência” da Arábia Saudita são facilmente adquiridos pelos portugueses, algo que, aliás, vários treinadores nacionais têm feito em várias partes do mundo nos últimos anos. “Temos a capacidade e felicidade de fazer bons trabalhos em vários lugares”, sublinhou.

“Os sauditas querem conhecer isso” e investem com o objectivo de “tornar a Liga uma das mais competitivas do mundo”, diz o treinador, que destacou também a contratação de vários futebolistas de craveira internacional.

No que diz respeito a Rui Vitória, Bruno Marinho acredita que irá “acrescentar a sua qualidade e conhecimento num dos grandes clubes da Arábia Saudita”. Já Jorge Jesus fez um “trabalho extraordinário” ao perder apenas um jogo durante mais de 20 jogos. E Pedro Emanuel, no Al Taawon, está a fazer um trabalho “muito bom com uma equipa mais pequena”.

Uma das razões destacadas para a saída de Jorge Jesus do Al-Hilal é a estabilidade que o clube pretende para o seu projecto. Algo que não surpreende quando se olha para as condições que os emblemas árabes oferecem, desde “pavilhões, ginásios e estádios com relvado natural”, concluiu Bruno Marinho.

Viagens, jogos, treinos, descansar; tempo passa; repetir

O antigo treinador dos juniores do Desportivo das Aves e de outros clubes, como o Salgueiros, Leça do Balio, Padroense e Custóias, já esteve nos Emirados Árabes Unidos ao serviço do Al-Hamriyah, e confessou que não foi fácil sentir novamente o calor daquela região quando foi para a Arábia Saudita. No Verão, as temperaturas podem chegar aos 50 graus celsius.

Para explicar este país que tem atraído vários treinadores e jogadores portugueses, Bruno Marinho recorre novamente à comparação com os Emirados Árabes Unidos, onde os habitantes “são mais livres e ocidentalizados”. “Na Arábia Saudita ainda não é bem assim, apesar de estar a mudar agora. São um pouco mais fechados”, faz notar, referindo-se também à cidade onde está sediado seu clube, Harmah, situada mais no interior. “Tal como em Portugal, a mentalidade é mais fechada e há limitações. São contextos e questões de hábitos que se vão ultrapassando”, explica. Já a capital, “Riade, é uma cidade muito grande e tem muita gente de muitos países, tal como Dammam. Estão a ficar culturalmente mais receptivos. Há uma tendência de abertura”, explica.

As rotinas diárias de Bruno Marinho são semelhantes às de outro treinador em qualquer parte do mundo, mas com algumas particularidades. “De manhã, entre as 9h e as 9h30 há preparação de treinos e o treino propriamente dito. Almoçamos à hora do costume, como em Portugal, entre as 12h e as 13h, e à tarde retomamos a preparação e o trabalho em campo. No final do dia faz-se o balanço do que correu bem ou menos bem”, revela.

“Felizmente, o clube tem ginásio para os funcionários também e recorro a isso e à piscina para passar o tempo e recuperar mentalmente das saudades de casa e da família”, confessa. “Por volta das 19h30-20h deixo o clube, janto sozinho ou com algum colega e regresso a casa. Aí consigo falar com a família e ver alguns jogos de futebol daqui ou da Europa, como o campeonato português, inglês, espanhol e italiano. Há tempo também para recorrer à leitura.”

Com a rotina, surgem novos hábitos transmitidos pelos árabes, como o chá, a bebida preferida em convívios e em todas as situações sociais, ou o consumo de tâmaras. “São coisas que nos ajudam a inserirmo-nos na cultura local e a conhecer as boas pessoas que nos recebem bem. Gostam de ver que nos adaptamos aos costumes deles e isso solidifica a nossa posição junto deles”, acrescenta.

O que fica a faltar na Arábia Saudita, diz Bruno Marinho, é a possibilidade de “sair à noite” e “beber um copo” por haver – especialmente em Harmah – poucos espaços abertos, mas também pela grande restrição sobre bebidas alcoólicas.

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