Carta aberta ao cardeal-patriarca de Lisboa e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa

Existem tempos e assuntos relativamente aos quais o silêncio é a melhor resposta. Estes tempos e este assunto, com o devido respeito, não me parecem ser um deles.

Eminência,

No passado dia 10 de Janeiro, a TVI transmitiu uma reportagem da autoria da jornalista Ana Leal, que pretendeu mostrar “uma espécie de sociedade secreta, praticada em Portugal por psicólogos, psiquiatras e padres da Igreja Católica”, destinada a “curar” homossexuais.

Na referida reportagem são mostradas, entre outras, gravações de imagens e som do interior de uma igreja em Lisboa, de excertos de uma conversa tida por participantes de um grupo de acompanhamento pastoral e de excertos de uma conversa tida por um padre num confessionário.

Tudo indicia que a gravação das referidas imagens e som foi feita de forma totalmente ilícita e ilegal, porque sem o conhecimento e consentimento prévios, quer dos visados nas mesmas, quer das autoridades eclesiais.

Independentemente de a referida reportagem ter tido por objectivo, entre outros, o de tentar publicamente denegrir e ofender a imagem e o bom nome da Igreja Católica e dos católicos portugueses, e o de tentar publicamente desacreditar e condicionar o magistério, o ministério e a acção da Igreja Católica e dos católicos em Portugal, o que é um facto é que, em minha opinião, é isso que resulta da mesma, ao pretender-se inculcar a ideia ou o “alarme social” de que estaria a ser levada a cabo uma actividade secreta e, por isso mesmo, ilícita.

Para além dos direitos ao bom nome, reputação e imagem, à reserva da vida privada, à não discriminação, à liberdade e segurança e à liberdade de expressão e de informação, a Constituição da República Portuguesa garante os direitos à liberdade de consciência, de religião e de culto, que considera invioláveis. Ninguém pode ser perseguido por causa das suas convicções ou prática religiosa, sendo as igrejas e outras comunidades religiosas livres no exercício das suas funções e do culto.

E no que respeita à Igreja Católica em Portugal, conforme se encontra prescrito no artigo 2.º da Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português celebrada a 18 de Maio de 2004: “1. A República Portuguesa reconhece à Igreja Católica o direito de exercer a sua missão apostólica e garante o exercício público e livre das suas atividades, nomeadamente as de culto, magistério e ministério, bem como a jurisdição em matéria eclesiástica. (...) 3. Os bispos e as outras autoridades eclesiásticas gozam da mesma liberdade em relação ao clero e aos fiéis. 4. É reconhecida à Igreja Católica, aos seus fiéis e às pessoas jurídicas que se constituam nos termos do direito canónico a liberdade religiosa, nomeadamente nos domínios da consciência, culto, reunião, associação, expressão pública, ensino e ação caritativa.”

A razão que me leva a dirigir-me a Vossa Eminência prende-se com o facto de até à presente data não ter ouvido nenhum responsável máximo da Igreja Católica em Portugal pronunciar-se expressa e publicamente sobre a referida reportagem, em defesa da Igreja Católica e da acção daqueles católicos, consagrados ou não, que tentam ajudar quem livremente procura a sua ajuda, não coagindo a nada e limitando-se a acolhê-los nas suas inquietações, preocupações e provações, e aconselhando-os, do ponto de vista psicológico, moral e religioso, mais não fazendo do que aquilo que o Catecismo da Igreja Católica diz que deve ser feito relativamente aos homens e mulheres que apresentam tendências homossexuais: “Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á para com eles todo sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar a vontade de Deus em sua vida, e se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar por causa de sua condição” (§2358).

Permito-me, assim, perguntar a Vossa Eminência por que razão ainda nada foi dito sobre este assunto, quer por Vossa Eminência, quer pela Conferência Episcopal Portuguesa?

Não será certamente pelo receio de não ser politicamente correcta uma reacção, pois não foi Jesus Cristo o expoente máximo do politicamente incorrecto? Não será igualmente pelo receio de haver uma “crucificação” na praça pública, pois, mais uma vez, não foi Jesus Cristo cruxificado para nossa salvação e para remissão dos pecados do mundo?

É verdade que, na homilia que Vossa Eminência proferiu na abertura do Ano Judicial, a propósito do tempo comunicacional intenso em que vivemos, e depois de ter considerado que em si mesma a comunicação é “um grande bem, pelo que permite de mais informação e partilha”, não deixou de dizer, e passo a citar, que: “Na prática, depende do sentido de Justiça que realmente se tenha, quer da parte de quem informa, quer da parte de quem recebe a informação.” “Aos primeiros requer-se honestidade, não deturpando factos, não julgando a priori, não recolhendo fraudulentamente os dados, nem os manipulando depois. Aos segundos, que somos nós todos, requer-se sentido crítico e cuidado, muito cuidado, na aceitação do que nos é dado como certo e tantas vezes o não é, e vai eliminando reputações pelo caminho.

Contudo, pergunto se serão suficientes estas palavras de Vossa Eminência?

Por outro lado, segundo notícia que foi publicada no Diário de Notícias online no passado dia 12, quando questionado sobre a referida reportagem da TVI o secretário da Conferência Episcopal Portuguesa terá respondido o seguinte: “Sobre a reportagem da TVI a que se refere apenas duas notas: lamentamos a forma como foi feita a reportagem com captação oculta de imagem e som, atentando contra a proteção de imagem e a privacidade das pessoas. Cabe às pessoas envolvidas tomarem posição, com as quais estamos solidários quanto ao tratamento abusivo de que foram alvo."

Mas se cabe às pessoas envolvidas tomarem posição, o que se concorda em absoluto, não se deve considerar também a Igreja Católica Portuguesa uma das pessoas envolvidas e visadas pela referida reportagem e, por essa razão, não devia tomar uma posição clara, pública e expressa sobre a mesma?

Como cidadã portuguesa católica sinto-me ofendida pela referida reportagem. E perdoar-me-á Vossa Eminência a ousadia mas creio que a Igreja Católica Portuguesa também se deve considerar ofendida e actuar em conformidade com a gravidade da ofensa e, principalmente, com a seriedade daquilo que resulta da mesma, i.e, a tentativa de condicionar o magistério, o ministério e a acção da Igreja Católica e dos católicos em Portugal.

Dado que a Conferência Episcopal Portuguesa é a entidade representativa da Igreja em Portugal (conforme decorre do artigo 1.°, n.° 2 dos seus Estatutos), venho, assim, solicitar a Vossa Eminência que seja tomada uma posição pública sobre este assunto.

Existem tempos e assuntos relativamente aos quais o silêncio é a melhor resposta. Estes tempos e este assunto, com o devido respeito, não me parecem ser um deles.

Do lado de Deus para o bem de todos.

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