Código de conduta para bem existir nas redes sociais

Se virmos sete malucos a pontapear um desgraçado no meio da rua, o que fazemos? Na Internet, é mais do que certo que a generalidade da malta lá vai dar um pequeno biqueiro porque, de certeza absoluta, quem está no chão a ser agredido merece-o.

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Reuters/Dado Ruvic

Volta e meia, pessoas em catadupa copiam e colam nos seus murais de Facebook alegadas leis que alguém, num buraco esconso, sem qualquer coisa de maior interesse para fazer, decidiu inventar. De forma ligeiramente acéfala, essas pessoas assumem o que vêem escrito como uma verdade tão dogmática quanto as que estão escritas nos textos sagrados — e mesmo essas, é o que se sabe… — e partilham-nas, espalhando alarmismo injustificado e ignorância avulso. Nos últimos dias, no meu feed, tenho observado uma carrada de gente a acreditar piamente num disparate disseminado que nos garante que o Facebook vai tornar todos os nossos posts públicos. Posto isto, exijo uma medida drástica.

Sugiro que nos comportemos nas redes sociais da mesma maneira que nos comportamos na rua. Aliás, é até ilegal não o fazer, de acordo com o que diz a lei n.º 37 do código de conduta 19864/2014 do Facebook que eu inventei agora e que passou a ser real porque, como sabemos, tudo o que está na Internet é verdade.

Esta conduta é premente, porque há um estranho desfasamento entre o que somos quando entramos numa rede social e o que fazemos cá fora, quando temos de olhar o nosso interlocutor nos olhos e incorrer em todos os constrangimentos sociais imediatos que estão inerentes à interacção pessoal com outros seres humanos. Lá fora, no mundo real, somos civilizados, às vezes até simpáticos e fofinhos. Mas online não é pouco comum portarmo-nos mal, às vezes contra os nossos próprios princípios. Senão vejamos.

Se virmos sete malucos a pontapear um desgraçado no meio da rua, o que fazemos? Na Internet, é mais do que certo que a generalidade da malta lá vai dar um pequeno biqueiro porque, de certeza absoluta, quem está no chão a ser agredido merece-o. E nós, depois da agressão, até sentimos um ligeiro quentinho no baixo ventre de quem foi herói por um dia. Quando, na verdade, não fazemos ideia se fomos justos.

Há uma outra cláusula contratual que temos de cumprir, especialmente os homens: parar com o assédio. Nada de fotografias de pilinhas enviadas às senhoras, a menos que sejam expressamente solicitadas. A não ser que exista esse pedido, fruto do calor da conversação à distância mediada por um gelado ecrã, o assédio digital é repugnante e potencialmente ilegal. Portanto, é de evitar.

Outra: se estivermos sentados numa mesa de café e alguém vier dizer-nos que, daqui por três dias, o Governo vai ordenar a aplicação de mordaças nas bocas de todos os cidadãos, qual é a nossa atitude natural? Desatar aos berros, alertando para a censura governamental iminente, sem querer saber que nos rotulem de loucos? Ou, por outro lado, tentar perceber se aquilo é mesmo verdade? Ou, melhor ainda, descredibilizando de imediato a informação, já morta à partida por ser tão inverosímil? Nesse caso, porque decidimos ser bananas na Internet, mas argutos no mundo real? Eis a sugestão que importa: sempre que se leia qualquer coisa intrigante no Facebook, mude-se de aplicação e procure-se por informação legítima e credível no Google. Se várias fontes disserem o mesmo, a probabilidade de se tratar de uma verdade aumenta exponencialmente.

Imaginemos agora que estamos sentados nesse mesmo café e alguém nos diz que o Camilo de Oliveira ou o Michael Jackson morreram. A nossa resposta será: "Pois claro que sim, morreu há anos". Assim sendo, por que é que continuamos a partilhar notícias segundo as quais morreu Vasco Granja, se o homem está morto há quase uma década? Isto serve para outras notícias, que partilhamos sem critério, apenas porque os títulos nos espantam, porque somos uma vítima da nossa própria falta de memória. Mostramos essas notícias como se fôssemos a CMTV, ainda que estejamos a cumprir o papel de um historiador, sem que o saibamos. Assim sendo, eis outra sugestão: antes da partilha, que se entre na notícia e se espreite a data da mesma. Se estamos a partilhar um artigo de 1933 como se fosse uma notícia de última hora, não prestamos um bom serviço a quem nos segue e estamos a dar (ainda mais) cabo da nossa já sempre fraca reputação digital.

Bem sei que esta ideia é utópica, mas defendo algum tino na hora de clicar no “Publicar” e um bocadinho menos de intensidade emocional quando se passeia pelo feed de um Twitter ou de um Facebook — ou até mesmo de um Instagram, onde os haters começam já a espalhar o primeiro fel. Na loucura dos meus idealismos, chego até a desejar que se use menos o caps lock, PORQUE FALAR ASSIM NÃO TEM JEITO NENHUM. Mas eu sei que não se pode ter tudo.

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