A Justiça em 2018: factos alternativos

Uma ficção póstuma, com fragmentos de uma realidade alternativa

Esta pequena crónica não é sobre o que aconteceu em 2018 – isso já todos sabemos. É sobre o que poderia ter acontecido, se a terra tivesse rodado ao contrário. Uma ficção póstuma, com fragmentos de uma realidade alternativa que – temos de reconhecer – agora interessa pouco.

Terminou o desencontro entre juízes e governo por causa da revisão do Estatuto. Marcelo fez um intervalo nas coisas importantes, disse a Costa que era bom evitar greves e crispação na Justiça, Costa falou com a ministra, o presidente do sindicato dos juízes calou-se, o diálogo ganhou novo fôlego e chegou-se a um acordo razoável. Mais uma lei fundamental para a organização dos poderes do Estado e para a administração da Justiça aprovada por unanimidade no parlamento, sem dramas, sem greves, sem polémicas.

A revisão do estatuto do MP está no bom caminho. Franjas mais radicais no PSD e PS ainda sugeriram mudanças na composição do Conselho Superior, para aumentar o controlo político sobre a investigação criminal, mas Costa e Rio travaram imediatamente esse bloco central de interesses: o Estado de direito é para todos, doa a quem doer – disseram. Há consenso, isso sim, para aprofundar a autonomia do MP e aumentar dos meios de combate à criminalidade económico-financeira.

Alguém deixou às portas da SIC e da CMTV uns embrulhos com gravações de interrogatórios no processo Marquês. A pretexto do interesse informativo, o que queriam era manipular a opinião pública e influenciar o desfecho do processo. Se fosse preciso atropelar direitos e violar a lei, tanto fazia. As estações de televisão decidiram não divulgar as gravações. A ética de responsabilidade social do jornalismo sobrepôs-se à avaliação dos interesses comerciais.

Armando Vara, Duarte Lima e outros “famosos” começaram a cumprir as penas de prisão em que foram condenados. Alguns advogados especialistas em inocências e nulidades ainda tentaram atrasar, com recursos e mais recursos, pedidos de aclaração de decisões e invocação de nulidades. Sem sucesso. Temos um sistema que equilibra bem as garantias de defesa e a eficácia da acção penal e distingue o uso legítimo do uso abusivo dos direitos.

Terminou o mandado de Joana Marques Vidal – justamente aclamado como excelente – e foi nomeada a nova PGR. Uns queriam a recondução, outros a substituição. Teorizava-se sobre cataclismos na democracia e no combate à corrupção. Marcelo e Costa acabaram rapidamente com o drama e asseguraram uma transição rápida e tranquila, que deu confiança a toda a gente.

O tribunal de contas concluiu a auditoria à conta do parlamento, apontando irregularidades no pagamento de viagens e seguros de saúde aos deputados. Deputados de vários partidos foram dizer em segredo a Ferro Rodrigues que o melhor era disfarçar, encobrir e culpar o tribunal. Ferro não foi na conversa. Participou ao Ministério Público, para que os eventuais actos ilícitos fossem devidamente investigados, convocou os líderes dos partidos e exigiu a aprovação das leis necessárias para eliminar de uma vez por todas as dúvidas sobre actuações menos éticas e transparentes no parlamento.

O PSD não chegou a apresentar o seu plano para a justiça. Nos bastidores comentava-se que ia ser péssimo, que Rio se inspirava nos populismos da Hungria e Polónia e que queria limitar a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público. Falso alarme. Rio aconselhou-se com especialistas em assuntos de equilíbrio democrático dos poderes do Estado e deixou os radicais do PSD a falar sozinhos – quer dizer, sozinhos não; mal acompanhados, por alguns radicais do PS que queriam apanhar boleia.

Entretanto foi aprovado o orçamento do Estado para 2019. A Justiça é agora uma prioridade política. Vamos encontrar soluções em vez de criar problemas. Baixa o custo do acesso aos tribunais, para que todos os cidadãos possam fazer valer os seus direitos independentemente da sua condição económica. Prevê-se mais eficácia na investigação criminal, com o reforço dos meios atribuídos ao MP e às polícias. A diminuição das pendências processuais nos tribunais administrativos e fiscais vai igualar o ritmo de diminuição dos últimos 5 anos nos tribunais comuns – 41%.

No mundo dos factos alternativos, vinha agora 2019 é era só colher os frutos do que se tinha semeado em 2018.

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