Guimarães abre caminho para um horizonte (mais) verde

O ambiente assumiu um papel central na política vimaranense desde 2013. A redução das emissões de CO2 e do consumo de energia na última década são indicadores positivos,mas o município quer melhorar os rios e o uso dos solos, e valorizar a mobilidade a pé e de bicicleta num território onde o automóvel ainda manda.

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Os modos suaves de deslocação são uma das apostas da cidade Paulo Pimenta

O verde é uma das cores que define Guimarães. A cidade e os restantes núcleos populacionais dispersos pelo concelho erguem-se sobre uma paisagem verde, inconfundivelmente minhota. A cor figura também na bandeira do município, a par do branco e da imagem da Senhora da Oliveira. Nos últimos cinco anos, porém, o verde tornou-se protagonista na política municipal.

A obtenção do título de Capital Verde Europeia, em 2020, foi um dos nortes da acção de Domingos Bragança desde 2013, ano em que se tornou presidente da Câmara, após 24 anos com o também socialista António Magalhães no poder. Não o conseguiu. Esse título, atribuído pela Comissão Europeia (CE) desde 2010 - Estocolmo foi a primeira capital verde -, acabou por ser entregue a outra cidade portuguesa: Lisboa.

Mas Guimarães obteve a quinta melhor avaliação entre as 12 cidades finalistas. O relatório de análise à candidatura, publicado pela CE em Abril último, enalteceu a redução de duas toneladas por habitante nas emissões de dióxido de carbono (CO2), entre 2008 e 2017, e a redução de 36% no consumo de energia, durante o mesmo período. Com o objectivo de se tornar uma cidade sem emissões de CO2 em 2050, Guimarães obteve a segunda melhor classificação no consumo de energia, mas também no envolvimento dos cidadãos, na adaptação às alterações climáticas e na biodiversidade.

Para Domingos Bragança, o desempenho nestes indicadores demonstra, mais do que a aplicação de “políticas públicas de desenvolvimento sustentável”, a “interiorização pela maioria dos cidadãos da importância do ambiente e de um entendimento do território como espaço urbano de qualidade, em harmonia com a natureza”.
O autarca vimaranense realçou ainda que Estocolmo foi a única cidade a ser eleita CVE à primeira tentativa, pelo que Guimarães vai aparecer novamente na corrida. Esta postura antecipa mais uma década com o ambiente no topo da política vimaranense, como o demonstra a apresentação nova estrutura de missão para o desenvolvimento sustentável - Guimarães 2030 -, decorrida no dia 18 de Dezembro.

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Água e solos são problemas

O uso dos solos e a gestão das águas foram os parâmetros onde o município obteve pior classificação (11.º em ambos). Para Domingos Bragança, a melhoria das linhas de água do concelho - o rio Ave, os afluentes Agrela, Selho e Vizela e as ribeiras, como a de Couros - requer um esforço conjunto do município, das Águas do Norte e da Resinorte, empresa que gere os resíduos de 35 municípios do Norte, entre os quais Guimarães.

A água é um dos objectos da investigação do Laboratório da Paisagem, instituição criada em 2015, que tem como sócios a Câmara de Guimarães, a Universidade do Minho e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. As águas dos rios serviram, até à década de 90, de depósitos para as indústrias que polvilham o território e estão hoje “muito melhores do que há 30 ou há 40 anos”, apesar de ainda longe da qualidade de há 80 anos, admitiu ao PÚBLICO o presidente da entidade, Jorge Cristino.

Um dos indicadores que, por exemplo, demonstra a melhoria das águas fluviais é o reaparecimento junto aos rios de aves como o guarda-rios, que se alimenta de “seres vivos aquáticos pouco resistentes à poluição”, e de alguns peixes que tinham desaparecido. “Um inquérito paroquial do concelho, em 1842, afirma que o Rio Ave tinha então nove espécies de peixes. Hoje, não tem a lampreia nem a enguia, mas as trutas, as bogas e os barbos voltaram”, acrescentou.

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Além de analisar a composição química das águas para encontrar focos de poluição, o Laboratório da Paisagem também procura zonas de obstrução nos leitos e estuda formas de evitar inundações a partir das linhas de água, referiu ainda Jorge Cristino.

Entre as medidas para melhorar o uso dos solos, contam-se as hortas pedagógicas, junto ao pavilhão multiusos da cidade, e a denominada Incubadora de Base Rural, onde a Câmara cede alguns dos seus terrenos para produção biológica a agricultores sem propriedades. “A iniciativa está a começar e só dois ou três agricultores estão já no terreno, mas vamos ter mais”, realçou Domingos Bragança.

O incentivo à produção de alimentos para consumo próprio, salientou ainda o presidente da Câmara, é também uma estratégia para reduzir a pegada ecológica do concelho. Um estudo da Universidade de Aveiro, da associação ambientalista Zero e da Global Footprint Network, apresentado em Outubro, mostrou que, em média, cada cidadão vimaranense criou uma pegada de 3,66 hectares globais, em 2016.

Este Foi o segundo valor mais baixo entre os seis concelhos nacionais presentes no estudo, mas ainda assim 2,2 vezes superior à biocapacidade da terra disponível. Isso quer dizer que Guimarães esgotou os recursos terrestres para 2016 no dia 13 de Junho. A alimentação, em virtude dos consumos de carne e de peixe, foi o factor com mais influência na pegada - 29% do total.

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Na mobilidade pede-se “mudança cultural”

O segundo factor que mais contribuiu para a pegada do concelho, em 2016, foi o dos transportes (21%). E a mudança do paradigma de mobilidade em Guimarães é um dos objectivos apregoados pelo actual executivo vimaranense. Em Setembro, a Câmara inaugurou a primeira fase da ciclovia, um investimento de 2,4 milhões de euros que une as zonas ocidental e oriental da cidade, mas Domingos Bragança já revelou a intenção de abrir rotas para as bicicletas em direcção às ruas mais centrais da cidade, a algumas das vilas do concelho e aos concelhos vizinhos, através dos fundos já anunciados pelo Governo.

Esta ideia figura num dos poucos Planos de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) até agora elaborados no país - também há, pelo menos, em Braga, Leiria, Nazaré, Caldas da Rainha e Faro. Elaborado pela empresa Mpt, o documento está aberto à discussão pública até amanhã e favorece um paradigma que dá prioridade a quem anda a pé, e, depois, à bicicleta, aos transportes públicos, ao uso eficiente do carro e ao carro, em último lugar.

A percentagem de uso do automóvel nas deslocações em Guimarães cresceu de 41%, em 2001, para 62%, em 2011, algo que a coordenadora do plano, Paula Teles, quer ver invertido, ainda por cima num concelho onde 65% das deslocações demora menos de 15 minutos. “Uma das ideias é tentar diminuir a velocidade dos carros sem cortar estradas. As ruas vão ficar mais apertadas, para haver mais passeios e pessoas. As pessoas vão perceber que, em alguns pontos, demoram mais a andar de carro”, explicou ao PÚBLICO.

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A engenheira civil mostrou-se, porém, ciente que a adopção de um paradigma amigável dos peões e dos ciclistas exige uma “mudança cultural” que pode demorar uma década. “Nas escolas, será preciso fazer os meninos aprenderem a andar de bicicleta. Também é necessária a aprendizagem cultural, para as pessoas perceberem que não é desprestigiante andar de bicicleta”, disse.

O ambiente, para lá da Câmara

Uma das pessoas que assistiu às duas sessões de apresentação do PMUS foi Jónatas Couto, presidente da Associação Vimaranense para a Ecologia (AVE). Fundada em 2001, a instituição tem hoje mais de 200 sócios e já organizou acções de levantamento do património natural do concelho, passeios pedestres, iniciativas de educação ambiental nas escolas, conferências. Promove ainda, todos os anos, a Ecorâmicas, uma mostra de cinema documental sobre um tema associado à ecologia.

Para o responsável, a mobilidade é um dos principais problemas da cidade e o PMUS apresenta um “conjunto de boas práticas”, apesar de ser um “catálogo” que tanto pode funcionar, como não. A Câmara tem revelado alguma inconsistência na promoção da mobilidade suave, frisou ainda Jónatas Couto, discordando da construção do parque de estacionamento para 400 viaturas no quarteirão da Caldeiroa, em pleno centro da cidade. A obra, de 5,8 milhões de euros, está em curso.

Outro dos problemas ambientais mais notórios na cidade, disse o presidente da AVE, é o estado das linhas de água, nomeadamente da ribeira de Couros. “Depois de tanto investimento da Águas do Norte e da Vimágua, não se compreende que haja um cheiro nauseabundo na zona do mercado municipal e, depois, do hospital”, disse.

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