Antiga unidade de descasque de arroz transformada em “Fábrica da História”

Câmara de Estarreja vai investir 1,2 milhões de euros na recuperação do antigo imóvel e respectiva adaptação a espaço museológico. Obra deverá arrancar no segundo semestre de 2019

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A fábrica fechou em 87, após a entrada de Portugal na CEE Paulo Pimenta
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A fábrica fechou em 87, após a entrada de Portugal na CEE Paulo Pimenta
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A fábrica fechou em 87, após a entrada de Portugal na CEE Paulo Pimenta
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A fábrica fechou em 87, após a entrada de Portugal na CEE Paulo Pimenta

Aos 84 anos, Joaquim Marques vai mantendo uma memória impecável, pelo menos, no que toca a recordar a história da Fábrica de Descasque de Arroz de Estarreja, na qual trabalhou durante 35 anos. “Entrei com 16 anos”, lembra este antigo funcionário da fábrica que, durante décadas, foi um importante marco industrial do concelho. Criada em 1922, teve de fechar portas “aquando da Segunda Guerra Mundial, em 1939, reabrindo, depois, no ano de 1950”, relata Joaquim Marques. Um ano depois de Portugal entrar na CEE (Comunidade Económica Europeia), o seu fim tornou-se inevitável, lançando o antigo imóvel para uma fase de abandono e degradação que irá terminar muito em breve. A câmara municipal de Estarreja vai reabilitar a antiga unidade industrial e transformá-la numa “Fábrica da História”.

O projecto assenta na criação de um circuito museológico não convencional, com recurso a novas tecnologias, que permitirá aos visitantes “imergir num universo que os transporta quer para a cultura do arroz, no Baixo Vouga Lagunar, quer para a própria fábrica”, revela a vereadora Isabel Pinto. Prevista está também a criação de um estabelecimento de restauração e uma zona multifuncional. Um investimento na ordem dos 1,2 milhões de euros que a autarquia espera poder ter já em fase de obras no início do segundo semestre de 2019, tendo em conta que o concurso público foi já lançado.

O anúncio agradou a Joaquim Marques e também a todos os que, como ele, tinham de enfrentar a ruína das paredes dentro das quais passaram parte da sua vida. “Recuperar a fábrica é recuperar a história da nossa terra e também um pouco da minha história”, vinca Lúcia Almeida, outra antiga trabalhadora da fábrica. Dos 15 anos que ali passou, só guarda “memórias boas”, destacando a amizade que reinava entre os funcionários. O seu colega José da Silva confirma: “a camaradagem era muito boa”. Foi ele o último funcionário a vir embora – teve de fechar as portas – e hoje é um dos primeiros a regozijar-se com a ideia de ver a sua antiga fábrica recuperada.

Um exemplo de empreendedorismo

Instalada junto à estação de comboios, a Fábrica do Descasque do Arroz foi, na sua época, uma referência ao nível dos seus processos mecânicos: para a sua laboração foi feito um pequeno açude no Rio Antuã e montada uma turbina hidroeléctrica que fornecia energia à unidade fabril, mas também para a iluminação pública de algumas ruas da vila. Avanços introduzidos por Carlos Marques Rodrigues, fundador da fábrica, falecido em 1976 (com 94 anos), que ainda hoje é recordado como um exemplo de empreendedorismo.

A imagem do seu rosto está exposta, desde há ano e meio, na fachada da Loja da Preciosa, mercearia situada em frente à fábrica e à qual trabalhadores afluíam, com frequência, depois de almoço. À fotografia de Carlos Marques Rodrigues juntam-se também as de cerca de uma dezena de antigos funcionários da fábrica, numa instalação artística criada no âmbito do festival de arte urbana de Estarreja pela fotógrafa Camilla Watson.

À frente da fábrica estiveram ainda outras duas gerações de descendentes de Carlos Marques Rodrigues. “A terceira teve o terrível trabalho de decidir que a fábrica tinha de ser fechada porque, quando Portugal entrou para a Comunidade Europeia, muitas moagens e fábricas de descasque de arroz como esta não conseguiam competir com empresas muito grandes”, recorda Anabela Amorim, viúva do último administrador da fábrica.

Anabela Amorim conheceu aquela unidade industrial nos anos 60 do século passado, “quando ela estava na sua época áurea”, nota, com saudade. Nos últimos anos, tem-lhe doído “olhar” para aquelas instalações, abandonadas e em ruínas, razão pela qual garante acalentar o projecto de recuperação anunciado pela autarquia.

“Naturalmente, o município só podia preservar e assegurar que este património cultural, material e imaterial, fizesse e continue a fazer parte da história local”, evidencia a vereadora Isabel Pinto, lembrando que o que está em causa não é apenas a memória da fábrica mas também a do cultivo do arroz nos campos do Baixo Vouga. A obra tem um prazo de execução previsto de 18 meses, estimando-se, assim, que possa estar concluída no final de 2020 ou início de 2021.

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